Page 392 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 13.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-7
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E Victor esperou, respirando com dificuldade, sentindo o ardume cruel dos
pulmões queimados pelo gás venenoso que ainda lhe anuviava a mente.
As costas apoiadas contra a porta.
Não saberia dizer quanto tempo ficou largado naquele final de corredor, sem
pensar em nada, sentindo aos poucos a clareza mental voltar, conseguindo
apenas e muito cautelosamente respirar, sentir o ar fresco entrar e sair do seu
velho peito dolorido, machucado, sofrido, até que pensou na porta que o
amparava e pensou que talvez não fossem apenas as pequenas grelhas
marcando os dutos que davam passagem ao ar fresco, mas também as frestas
na porta e que então ali, haveria uma saída. Levantou-se com alguma
dificuldade, mas não tanta como havia imaginado que teria e pensou que era
um sinal, um sinal de que deveria abrir aquela porta e ver.
E Victor viu. O horror, a crueldade, a insanidade, a síntese do mal, da
blasfêmia e de toda perversidade possível à natureza humana.
Sentiu que enlouquecia, que não poderia viver com aquela visão do salão
infinito e sua coleção macabra, longa, extensa e inacreditável de múmias de
crianças.
Uma inimaginável sucessão de pequenos corpos ressecados, colocados em
altares para a adoração insana aos mumificados em vida, uns ao lado dos
outros. Eram todos corpos de crianças bem pequenas, algumas, ainda bebês.
Sem forças, com os pulmões queimando, Victor foi se abaixando, se deixando
cair de joelhos. Não para implorar por perdão, pois sabia que já estava muito
além de qualquer possibilidade disso, mas para esconder a própria face aos
olhares mortos porque sua omissão o fizera indigno deles e só lhe restava
desaparecer a caminho do inferno.
Além disso, só o coração se arrebentando no peito e um urro de pavor nunca
ouvido porque prendeu-se-lhe na garganta sufocando-o e uma inundação de