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3. enquanto fonte de boas intenções nos outros, da fama, do
                     fato de ser amado;

                 4. enquanto desejo imperioso de resistência.

              Depois da supressão desses elementos, a enunciação da verdade
       será ainda possível como puro dever? Análise da crença na verdade: pois,
       toda posse da verdade é, no fundo, somente uma convicção de possuir a
       verdade. O pathos, o sentimento do dever, vem dessa fé e não da pretensa
       verdade. A fé supõe no indivíduo uma capacidade de conhecimento
       incondicionada, assim como a convicção de que jamais um ser conhecedor
       poderia ir mais longe; logo, a obrigação para toda a extensão dos seres
       conhecedores. A relação suprime o pathos da crença, a limitação ao
       humano, pela aceitação cética de que talvez todos nós estamos no erro.

              Mas como é que o ceticismo é possível? Aparece como o ponto de
       vista propriamente ascético do pensamento. De fato, não acredita na fé e
       assim destrói tudo o que é abençoado pela fé.

              Mas até o ceticismo contém em si uma fé: a fé na lógica. O caso
       extremo é, portanto, um abandono da lógica, o credo guia absurdum (creio
       porque é absurdo), dúvida da razão e desmentido desta. Como isso se
       produz em conseqüência da ascese. Ninguém pode viver sem lógica, como
       não pode viver na ascese pura. Com isso se demonstra que a fé na lógica e
       sobretudo a fé na vida é necessária, que o domínio do pensamento é,
       portanto, eudemônico. Mas neste caso aparece a exigência da mentira:
       quando precisamente vida e cuSatuovia (eudaimonia — eudemonismo) são
       argumentos. O ceticismo se volta contra as verdades proibidas. Falta então
       o fundamento para a pura verdade em si, seu instinto não passa de um
       instinto eudemônico mascarado.

              Todo acontecimento da natureza é no fundo inexplicável para nós:
       podemos somente constatar, a cada vez, o cenário em que o drama
       propriamente dito se desenrola. Falamos então de causalidade, quando no
       fundo só vemos uma sucessão de acontecimentos. Que essa sucessão deva
       ser sempre produzida numa encenação determinada, é uma crença que
       muitas vezes se contradiz infinitamente.

              A lógica não é mais do que a escravidão nos laços da linguagem.
       Esta possui nela, contudo, Um elemento ilógico, a metáfora, etc. A
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