Page 19 - Leandro Rei da Helíria
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PRÍNCIPE FELIZARDO: Ora, ora, sonhos são tretas. Eu cá nunca sonho.
REI (zangado): Que ninguém me interrompa quando eu estiver a falar dos meus sonhos!
PRÍNCIPE FELIZARDO: Pronto, pronto, já cá não está quem falou...
REI: No meu sonho faziam-se terríveis premonições... (Nesta altura Violeta levanta-se da mesa, e fica
de pé, muito séria, a olhar para o rei durante todo o seu discurso)
PRÍNCIPE FELIZARDO (para Simplício): Pré... quê? (Simplício encolhe os ombros)
REI:...vi o meu manto levado pelo vento, a minha coroa arrastada pela fúria das águas...
PRÍNCIPE FELIZARDO: Que vendaval, caramba!
REI:... o meu cetro arrancado por forças invisíveis...
PRÍNCIPE FELIZARDO: Fantasmas é que não! Com isso é que eu não brinco!
PRÍNCIPE SIMPLÍCIO: Tiraste-me as palavras da boca!
REI:...durante o dia de hoje não consegui pensar noutra coisa... Eu sabia que este sonho queria dizer-
me qualquer coisa. Os sonhos são recados que os deuses nos mandam, e os deuses estavam decerto
a querer dizer-me alguma coisa muito importante.
PRÍNCIPE FELIZARDO: Esta agora! E eu a pensar que a gente tinha sonhos destes quando comia
de mais ao jantar, e se esquecia de tomar bicarbonato de sódio...
REI:... Foi então que percebi. Foi então que tudo se fez claro no meu espírito: os deuses querem que
eu deixe de reinar.
VIOLETA (dá um grito e cai de joelhos diante do pai): Não pode ser... esse sonho, meu pai... esse
sonho... Não pode ser...
BOBO (dando um salto e ficando diante do rei): Senhor, uma história dessas nem eu seria capaz de
inventar!
REI: Não é história inventada, meu pobre tonto... E um aviso dos deuses, e os deuses devem...
BOBO:... estar loucos!
REI: Cala-te, que não se pode ofender os deuses! Os deuses devem saber melhor do que nós o que
tem de ser feito.
HORTÊNSIA: Mas afinal que querem os deuses que façais, meu pai?
REI: Que entregue as rédeas do meu reino a quem melhor do que eu o puder agora governar. Os
deuses devem pensar que estou velho de mais. E têm razão... Há manhãs em que já me custa
levantar cedo — e um rei tem de estar a velar pelos seus súbditos desde o nascer ao pôr-do-sol...
PRÍNCIPE FELIZARDO: Ena, que exagero!...