Page 24 - Leandro Rei da Helíria
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BOBO (aparte): Eu bem disse que isto ia acabar mal...

                  REI: Fácil, minha querida filha, muito fácil. Poucas são as necessidades de um velho. Viverei seis

                  meses do ano no vosso reino, os outros seis no reino de vossa irmã. Assim não estarei muito tempo
                  longe de vós, a quem tanto amo. Em troca do reino que vos dá e do poder que vos entrega, este
                  vosso velho pai quer apenas uma cama para dormir no vosso palácio, e um lugar para comer à vossa
                  mesa.

                  AMARÍLIS: E o vosso séquito?

                  REI: Dispenso o meu séquito. Não preciso dele. Para me acompanhar quero apenas o meu fiel bobo,
                  e mais ninguém.


                  PRÍNCIPE FELIZARDO (para Simplício): Não me parece mau negócio, ó sócio!

                  PRÍNCIPE SIMPLÍCIO: Tiraste-me as palavras da boca!

                  BOBO: Isto continua a não me cheirar bem... Se era este o recado dos deuses...

                  AMARÍLIS (curvando-se diante do rei): Faça-se a vossa vontade, senhor! (Vão saindo todos, menos
                  Hortênsia e Amarílis. Quando Amarílis vai a sair Hortênsia chama-a)

                  HORTÊNSIA: Mais devagar, maninha!

                  AMARÍLIS (virando-se para trás): Disseste alguma coisa?

                  HORTÊNSIA: Disse: mais devagar. É que temos agora um problema para resolver.


                  AMARÍLIS: Problema? Que problema?

                  HORTÊNSIA: Qual de nós duas vai ser a primeira a ter de aturar o velho?... (Olham-se ambas muito
                  sérias)



                                                          2.º ACTO
                                                            Cena I
                                                        Leandro, Bobo
                  (Muitos anos depois o rei Leandro e o Bobo caminham pela estrada. Vestem farrapos e vão cansados
                  da longa jornada)

                  REI: Há quantos anos caminhamos, meu pobre amigo?

                  BOBO: Tantos que já lhes perdi o conto, meu senhor! Desde aquele dia em que tuas filhas...

                  REI (zangado): Eu não tenho filhas!


                  BOBO: Pronto, pronto, senhor, não te amofines por tão pouco... Ia eu a dizer que, a princípio, ainda
                  tentei contar. Via nascer o Sol de madrugada, via a minha sombra e a tua desenhadas no chão, a
                  gente a querer apanhá-la e ela sempre à nossa frente!, via depois o Sol desaparecer do outro lado
                  das montanhas, e então dizia: passou--se um dia. Fechava os olhos, dormia um pouco, e de novo o
                  Sol se erguia de madrugada e desaparecia do outro lado das montanhas, e então eu dizia: passou-
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