Page 29 - Leandro Rei da Helíria
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roubou três uvas
nesta vindima
Porque eu cá tenho tudo contado
e dou por falta de meio cruzado
Noite ou manhã estou sempre à coca!
Quem me roubar leva co'a moca
PRÍNCIPE SIMPLÍCIO: Tiraste-me as palavras da boca!
AMARÍLIS: Temos de agir rapidamente. Diz-me: poderás levá-lo ainda hoje para o teu reino?
Terminados estão os seis meses que me competiam.
HORTÊNSIA: Enlouqueceste, certamente!
PRÍNCIPE FELIZARDO: Também não podemos deitar o velho a afogar, como se faz aos gatos
recém-nascidos... (Andam de cá para lá a pensar)
AMARÍLIS: Vejamos... Afinal de contas, minha irmã, o que é um rei?
HORTÊNSIA: É quem tem poder e mando sobre a sua terra e as suas gentes.
PRÍNCIPE FELIZARDO: É quem tem... (Tira do bolso o rolo de papel)... 256 bois, 256 vacas... 8000...
PRÍNCIPE SIMPLÍCIO: Tiraste-me as palavras da boca!
AMARÍLIS: E não largou ele, por sua expressa vontade, o poder e o mando?
TODOS: Largou!
AMARÍLIS: Alguém a isso o obrigou?
TODOS: Não!
AMARÍLIS: Não quer isto dizer que, a partir desse momento, ele ficou igual a qualquer outro súbdito
do nosso reino?
Cena IV
Bobo, Pastor, Rei Leandro
(A luz regressa à gruta)
BOBO: E foi assim que tudo aconteceu. Todos o abandonaram como se ele fosse um cão raivoso...
PASTOR: E... e a outra?
BOBO: Qual outra?
PASTOR: A do sal... (Ri)... «Como a comida quer ao sal...» Não está má, não senhor...
BOBO: Ora... Sabemos lá onde se encontra, se é morta ou viva...
PASTOR: Cruzes, homem, a tempestade dá-te ideias negras.