Page 100 - As Viagens de Gulliver
P. 100

CAPÍTULO I
       O autor, depois de haver suportado um grande temporal, embarca num escaler
      para se dirigir à terra e é agarrado por um dos seus naturais — Como foi tratado —
                  Esboço sobre o país e o seu povo.

      T endo sido condenado pela natureza e pela fortuna a uma agitada existência,
      dois meses depois da minha chegada, como já referi, tornei a deixar a minha
      terra natal e embarquei nas Dunas, em 20 de Junho de 1702, a bordo do navio
      Àventura,  cujo  capitão,  João  Nicolau,  da  província  de  Cornualha,  partia  para
      Surate. Tivemos vento favorável até às alturas do Cabo da Boa Esperança, onde
      lançámos ferro para fazer aguada. Encontrando-se o nosso capitão atacado de
      uma febre intermitente, só pudemos sair do Cabo em fins de Março. Tornámos
      então  a  fazer-nos  de  vela  e  a  nossa  viagem  decorreu  bem  até  o  estreito  de
      Madagascar; chegando, porém, ao norte desta ilha, os ventos, que nesses mares
      sopram sempre entre norte e oeste, desde o princípio de Dezembro até princípio
      de Maio, começaram em 29 de Abril a soprar muito violentamente do lado de
      oeste, o que durou vinte dias seguidos, e nesse prazo fomos impelidos um pouco
      para o oriente das ilhas Molucas sobre três graus ao norte da linha equinocial, o
      que o nosso capitão descobriu pelo cálculo feito no segundo dia de Maio, quando
      o  vento  amainou;  sendo,  porém,  muito  experimentado  na  navegação  desses
      mares,  deu-nos  ordem  para  nos  prepararmos  para  sofrer  uma  terrível
      tempestade, que não tardou a se desencadear. Principiou a levantar-se um pé de
      vento  chamado  monção.  Temendo  que  o  vento  se  tornasse  demasiadamente
      forte, ferrámos a vela de estai e pusemo-nos de capa para ferrar a mezena; o
      temporal,  porém,  aumentava,  e  fizemos  amarrar  os  canhões  e  ferrámos  a
      mezena.
   95   96   97   98   99   100   101   102   103   104   105