Page 145 - As Viagens de Gulliver
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se  conclui  o  grande  erro  em  que  estão  os  nossos  geógrafos  da  Europa,  ao
      suporem que nada existe senão mar entre o Japão e a Califórnia, quando sempre
      foi  minha  opinião  que  devia  haver  alguma  terra  a  contrabalançar  o  grande
      continente da Tartária, devendo eles, portanto, corrigir os seus mapas e cartas,
      acrescentando esta vasta extensão de terra às regiões do Noroeste da América,
      no que me prontifico a dar a minha ajuda.
          O reino consiste numa península, limitada a nordeste por uma cadeia de
      montanhas intransponível, com trinta milhas de altitude e coroada de vulcões, de
      modo  que  nem  os  mais  cultos  sabem  que  espécie  de  mortais  vive  para  além
      dessas  montanhas  ou,  mesmo,  se  aí  habita  alguém.  Nos  três  outros  sentidos,  a
      península é banhada pelo oceano. Não existe um único porto marítimo em todo o
      reino, e aqueles locais da costa onde os rios desaguam estão tão semeados de
      rochas pontiagudas e o mar aí é normalmente tão bravo que ninguém se aventura
      neles  com  os  barcos  mais  pequenos,  encontrando-se  este  povo  assim
      completamente excluído de qualquer possibilidade de comércio com o resto do
      mundo.  Porém,  nos  grandes  rios  o  tráfego  marítimo  é  intenso  e  o  peixe
      abundante e excelente, sendo raro irem pescá-lo ao mar, onde ele tem o mesmo
      tamanho  do  peixe  europeu,  o  que,  consequentemente,  não  seria  compensador.
      Torna-se  assim  evidente  que  o  fenómeno  natural  da  produção  de  plantas  e
      animais  de  envergadura  tão  extraordinária  está  inteiramente  confinado  a  este
      continente, deixando eu a cargo dos filósofos a determinação das suas causas.
      Contudo, de vez em quando apanhavam uma baleia despedaçada nas rochas da
      costa,  que  constituía  um  ótimo  repasto  para  a  gente  humilde.  Cheguei  a  ver
      algumas destas baleias, tão grandes que um homem mal podia com uma delas
      aos  ombros;  por  vezes  levavam-nas,  como  curiosidade,  em  canastras  para
      Lorbrulgrud. Vi uma na travessa, à mesa do rei, como uma raridade, mas não
      me pareceu que ele a tivesse apreciado muito, pois creio bem que o seu tamanho
      lhe repugnava.
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