Page 180 - As Viagens de Gulliver
P. 180

alguma vez eram admitidos como membros na Câmara dos Comuns.
          Em seguida criticou a administração do nosso Tesouro. Disse pensar que a
      minha memória me falhara, pois eu calculara as nossas contribuições em cerca
      de  cinco  ou  seis  milhões  anuais,  e,  quando  vim  a  mencionar  as  despesas,  ele
      reparou que elas atingiam grandes montantes, por vezes o dobro da receita; as
      notas que sobre este assunto tomara eram bastante exatas, pois esperava, como
      já  antes  dissera,  que  o  conhecimento  sobre  a  nossa  maneira  de  proceder  lhe
      pudesse ser útil, não desejando assim enganar-se nos seus cálculos. Mas, se o que
      eu lhe dissera era verdade, continuava sem perceber como um reino suportava a
      administração  dos  seus  bens  como  se  se  tratasse  de  um  empreendimento
      particular. Perguntou-me quem eram os nossos credores e onde arranjávamos
      nós o dinheiro para lhes pagar. Dava-lhe que pensar ouvir-me falar de guerras
      tão dispendiosas e longas; que, com certeza, deveríamos ser um povo conflituoso,
      ou  então  viver  em  má  vizinhança;  e  que  os  nossos  generais  tinham  de  ser,
      necessariamente, mais ricos que os nossos reis. Perguntou-me o que nos levava a
      ocupar-nos  de  assuntos  fora  das  nossas  próprias  ilhas,  a  não  ser  com  intuitos
      comerciais ou para defender o litoral com a nossa armada. Mas, de tudo o que
      lhe dissera, o que mais o surpreendeu foi saber que mantínhamos um exército
      mercenário em tempo de paz e no seio de um povo livre. Disse que, pois se nós
      éramos  governados  pelos  nossos  representantes  e  com  o  nosso  consentimento,
      não compreendia quem nós receávamos ou contra quem nos queríamos bater; e
      se  eu  não  achava  que  a  casa  de  um  particular  não  seria  muito  mais  bem
      defendida por ele e pela sua família que por meia dúzia de velhacos contratados
      ao acaso pelas estradas e ganhando um salário miserável, que podiam muito bem
      conseguir cem vezes mais cortando-lhes simplesmente o pescoço.
   175   176   177   178   179   180   181   182   183   184   185