Page 195 - As Viagens de Gulliver
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garantisse um mínimo de esperanças. O barco em que viera fora o primeiro e
único jamais visto junto ao litoral, tendo o rei dado ordens severas para que, se
por acaso aparecesse outro, ele fosse levado para terra e trazido numa carreta
para Lorbrulgrud, com toda a tripulação e passageiros que houvesse a bordo.
Estava decididamente resolvido a arranjar-me uma mulher do meu tamanho,
para com ela poder propagar a espécie, mas, penso, eu preferiria morrer a
permitir a desgraça de deixar uma posteridade condenada a viver dentro de
gaiolas como canários com o tempo, talvez a ser vendida pelo reino, como
curiosidade, a pessoas de qualidade.
Eu era, de fato, tratado com toda a bondade, o rei e a rainha tinham-me em
grande favor e a corte inteira deleitava-se comigo, mas a situação em que me
encontrava era indigna de um ser humano. Não conseguia afastar de mim a
memória daqueles entes queridos que deixara para trás. Ansiava poder de novo
me encontrar entre pessoas com quem pudesse conversar sobre coisas sem
importância; e por passear pelas ruas da cidade e pelo campo sem recear ser
pisado como uma rã ou cachorrinho. Porém, a minha libertação veio mais cedo
do que eu esperava e de uma maneira nada vulgar, como poderão ver por toda a
história e circunstâncias, que eu descreverei com toda a fidelidade.