Page 197 - As Viagens de Gulliver
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estava francamente doente, vendo-se obrigada a permanecer no seu quarto.
Ansiava por ver o oceano, o único cenário possível da minha evasão, se esta
alguma vez se proporcionasse. Fingi encontrar-me pior do que realmente me
sentia e pedi que me deixassem sair para apanhar um pouco de ar fresco do mar,
com um pajem de quem eu gostava muito e a quem já algumas vezes fora
confiado. Nunca esquecerei a contrariedade com que Glumdalclitch anuiu ao
meu pedido, nem as recomendações severas que ela fez ao pajem para ter
cuidado comigo, desatando logo a seguir num choro inconsolável, como se
tivesse tido um pressentimento do que estava para acontecer. O rapaz levou-me
para fora na minha caixa e tomou a direção das rochas do litoral, a meia hora de
distância do palácio. Uma vez aí, pedi-lhe que colocasse a minha caixa no chão
e, levantando uma das minhas janelas em guilhotina, pus-me a olhar para o mar,
cheio de melancolia. Não me sentia muito bem e disse ao pajem que ia fazer
uma sesta na minha rede, esperando que isso me trouxesse mais bem-estar.
Recolhi-me e o rapaz fechou a janela até abaixo, por causa do frio. Depressa
adormeci, e, segundo calculo, o pajem, pensando que nada me poderia
acontecer, afastou-se pelas rochas à procura de ovos de pássaros, pois eu ainda o
observei, da minha janela, espreitando em todas as fendas a apanhar um ou dois.
Seja como for, fui de repente acordado por um violento puxão na argola que se
encontrava pregada no topo da caixa, para facilitar o seu carregamento. Senti a
caixa ser levantada muito alto no ar e a seguir ser levada a toda a velocidade. O
primeiro balanço quase me tombou da minha rede, mas depois disso o
movimento tornou-se bastante suave. Gritei várias vezes, tão alto quanto a minha
voz permitia, mas sem qualquer efeito. Olhei na direção das minhas janelas, mas
não conseguia ver nada, a não ser as nuvens e o céu. Ouvi um barulho,
exatamente por cima de minha cabeça, que parecia o bater de asas, começando
então a perceber a situação horrorosa em que me encontrava: que alguma águia,
com o seu bico, pegara na minha caixa pela argola, com a intenção de a deixar
cair sobre uma rocha, como fazem a uma tartaruga na sua casca, para, em
seguida, se apoderar do meu corpo e devorá-lo. A sagacidade e o faro deste
pássaro permitiram-lhe descobrir a sua presa a uma grande distância, apesar de
me encontrar encerrado em quatro paredes de madeira de duas polegadas de
espessura.