Page 199 - As Viagens de Gulliver
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choque, provocando aos meus ouvidos um barulho mais forte que as cataratas do
      Niágara, depois do que fiquei às escuras durante mais outro minuto, começando
      então  a  minha  caixa  a  subir,  até  surgir  luz  pela  parte  de  cima  das  janelas.
      Percebia  agora  que  tinha  caído  no  mar.  A  minha  caixa,  com  o  peso  do  meu
      corpo, das várias coisas que levava dentro e das chapas de ferro pregadas, para
      maior resistência, aos quatro cantos do topo e do fundo, flutuava, mergulhando
      aproximadamente cinco pés na água. Supus então, como agora ainda suponho,
      que a águia que levava a minha caixa fora perseguida por outras duas ou três,
      sendo forçada a deixar-me cair para se defender delas, que lhe queriam disputar
      a presa. As chapas de ferro do fundo da caixa (pois estas eram as mais fortes)
      equilibraram-na na queda e impediram que ela se despedaçasse, quando bateu
      na superfície da água. Todas as juntas se encontravam muito bem entalhadas e a
      porta não se abria entre gonzos, mas para baixo e para cima em guilhotina, de
      modo  que  a  minha  caixa  se  encontrava  suficientemente  estanque,  deixando
      entrar apenas um fiozinho de água. Levantei-me com certo custo da minha rede,
      tendo-me primeiro aventurado a abrir a janelinha do alto, que eu já descrevi,
      para deixar entrar o ar, pois sentia-me quase sufocar.
          Como  não  desejei,  então,  encontrar-me  ainda  com  a  minha  querida
      Glumdalclitch,  da  qual  uma  simples  hora  me  colocara  tão  longe!  E,  posso
      afirmá-lo com toda a sinceridade, no meio da minha própria desgraça não podia
      deixar  de  lamentar  a  minha  pobre  aia  pelo  desgosto  que  sofreria  por  me  ter
      perdido, pelo desagrado da rainha e pelo desandar da sua sorte. Talvez muitos
      viajantes nunca se tenham visto em situação tão difícil e angustiante como aquela
      em que eu me encontrava, esperando a todo o momento que a minha caixa não
      resistisse  e  fosse  despedaçada  ou  virada  por  alguma  rajada  violenta  ou  vaga
      maior. Um simples vidro partido, e teria sido a morte imediata, não fossem as
      poderosas grades de ferro, colocadas pelo lado de fora para evitar os acidentes
      nas  viagens,  a  proteger  as  janelas.  Via  a  água  a  infiltrar-se  por  várias  fendas,
      apesar  de  estas  não  serem  muito  consideráveis,  tentando  por  todos  os  meios
      vedá-las o melhor que podia. Não era capaz de levantar a tampa da caixa, o que
      de outro modo teria de certeza feito, para, sentando-me em cima dela e, pelo
      menos,  evitando  morrer  de  maneira  horrorosa,  enclausurado,  digamos  assim.
      Mas também, se sobrevivesse a estes perigos durante um dia ou dois, que poderia
      esperar  eu  senão  uma  morte  miserável  pelo  frio  e  pela  fome!  Passei  quatro
      aflitivas  horas  nestas  circunstâncias,  esperando  e  desejando  mesmo,  que
      chegasse depressa o meu fim.
          Como já atrás referi, havia dois poderosos grampos fixados no lado da
      caixa  que  não  tinha  janela,  pelos  quais  o  criado,  que  me  levava  a  cavalo,
      costumava passar o seu cinto de couro, prendendo por este meio a minha caixa à
      sua  cintura.  Quando  me  encontrava  nesta  triste  situação,  ouvi  ou,  pelo  menos,
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