Page 203 - As Viagens de Gulliver
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o  forro  das  paredes;  porém,  as  cadeiras,  o  armário  e  a  cama,  que  se
      encontravam  pregados  no  chão,  ficaram  bastante  danificados  pela  ignorância
      destes marinheiros, que os tiraram à força. Em seguida despregaram algumas
      das  tábuas,  que  podiam  ser  úteis  a  bordo,  e,  finalmente  satisfeitos,  deitaram  a
      carcaça pela borda fora, que, graças aos buracos que lhe foram praticados no
      fundo e nos lados, depressa se afundou. E dou graças a Deus por não ter assistido
      a  tal  destruição,  pois  creio  que  me  comoveria  bastante,  por  trazer  à  minha
      memória imagens passadas que eu preferia ter esquecido.

















          Dormi  durante  algumas  horas,  mas  de  um  sono  constantemente
      perturbado por pesadelos sobre o país que deixara e os perigos a que escapara.
      Contudo,  quando  acordei  sentia-me  bastante  melhor.  Eram  aproximadamente
      oito horas da noite, e o capitão ordenou que o jantar fosse imediatamente servido,
      pois  achava  que  eu  já  jejuara  bastante.  Durante  a  refeição  tratou-me  com
      infinita bondade, e, observando que me encontrava mais calmo e sem pronunciar
      incongruências,  desejou  que  eu  lhe  falasse  das  minhas  viagens  e  lhe  contasse
      como  fora  parar  dentro  daquele  monstruoso  cofre  de  madeira,  encontrado  à
      deriva no mar. Disse que, por volta do meio-dia, quando olhava pelo seu óculo, o
      avistara  ao  longe  e  pensou  tratar-se  de  uma  vela,  decidindo,  como  não  se
      encontrava muito longe da sua rota, abordá-la, na esperança de adquirir alguns
      biscoitos, pois os seus começavam a faltar. Quando se aproximou e descobriu o
      seu engano, enviou o escaler comprido a ver do que se tratava. Os seus homens
      regressaram apavorados, jurando que tinham visto uma casa flutuante, mas ele
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