Page 208 - As Viagens de Gulliver
P. 208
de provisões e água, mas em nenhuma das vezes saí do barco, até chegarmos aos
Downs a 3 de Junho de 1706, cerca de nove meses depois da minha evasão.
Dispus-me a deixar os meus haveres como garantia do pagamento da minha
passagem, mas o capitão teimou em não receber nada. Despedimo-nos
afavelmente um do outro, e eu fi-lo prometer que viria visitar-me a minha casa
em Redriff. Com cinco shillings, que o capitão me emprestou, aluguei um cavalo
e um guia.
Quando ia no meu caminho para casa, reparando na pequenez das casas,
árvores, gado e pessoas, imaginei-me como se de novo estivesse em Lilipute, e,
receando pisar cada viajante que encontrava, gritava constantemente que
saíssem da minha frente, no que me arrisquei a ouvir coisas desagradáveis por
causa da minha impertinência.
Quando cheguei a minha casa, que a muito custo reconheci, e um dos
criados me abriu a porta, curvei-me para entrar, como um peru na portinhola do
galinheiro, receando bater com a cabeça na ombreira da porta. A minha mulher
correu para me beijar, mas eu pus-me quase de cócoras, pensando que de outro
modo ela não me alcançaria. A minha filha ajoelhou-se para me pedir a bênção,
mas eu não dei por ela senão quando se levantou, pelo hábito que durante tanto