Page 206 - As Viagens de Gulliver
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de tal modo que, quando regressei a Inglaterra, mandei cavá-lo em forma de
      cálice e pôr-lhe um pé de prata. Por fim, chamei a sua atenção para as calças
      que trazia, que eram feitas de pele de rato.
          Não  consegui  que  ele  me  aceitasse  nada,  a  não  ser  o  dente  de  um
      cocheiro, que parecia considerar com muita curiosidade e interesse. Agradeceu-
      mo calorosamente, mais do que uma tal ninharia podia merecer. Pertencera a
      um dos homens de Glumdalclitch, que, atormentado por horrorosa dor de dentes,
      se entregara às mãos de um cirurgião incompetente, que, por engano, lhe extraiu
      aquele  que  se  encontrava  tão  são  como  qualquer  outro.  Mandara-o  limpar,
      guardando-o depois no meu armário. Tinha cerca de um pé de comprimento e
      quatro polegadas de diâmetro.
















          O  capitão  ficou  bastante  satisfeito  com  a  descrição  clara  que  lhe  fiz,
      desejando que, quando chegássemos a Londres, eu a passasse para o papel e a
      publicasse,  dando-a  a  conhecer  ao  mundo.  Respondi-lhe  que  achava  que  já
      tínhamos  livros  de  mais  sobre  viagens,  que  tudo  o  que  agora  se  contava  tinha
      necessariamente  de  ser  extraordinário,  pelo  que  me  parecia  que  o  autor  não
      procurava  tanto  a  verdade  como  a  satisfação  da  sua  vaidade  e  interesse  na
      diversão dos leitores ignorantes. Que a minha história pouco continha, além de
      acontecimentos  vulgares,  sendo  isenta  daquelas  ornamentadas  descrições  de
      plantas, árvores, pássaros e outros animais estranhos, ou de costumes bárbaros e
      idolatria  do  povo  selvagem,  em  que  muitos  escritores  são  prolixos.  Contudo,
      agradeci-lhe o seu bom conselho e prometi ponderar sobre o assunto.
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