Page 221 - As Viagens de Gulliver
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CAPÍTULO II
Carácter dos Lapucianos — Opinião a respeito dos seus sábios, do seu rei e da
corte — Recepção que foi feita ao autor — Os receios e as inquietações dos
habitantes — Carácter das mulheres lapucianas.
A ssim que cheguei, encontrei-me rodeado de uma multidão que me observava
admirada e que eu contemplei do mesmo modo, não tendo visto nunca tão
singular raça de mortais tanto no rosto, como nos hábitos e nas maneiras;
inclinavam a cabeça ora para a direita, ora para a esquerda; tinham um olho
voltado para dentro e outro para o sol. As suas roupas eram semeadas de figuras
do sol, da lua e das estrelas e cheios de rabecas, de flautas, de harpas, de
trombetas, de guitarras, de alaúdes e de muitos outros instrumentos musicais
desconhecidos na Europa.
Vi em torno deles muitos criados armados de bexigas, ligadas com um
malho na ponta de um pequeno pau, onde havia certa quantidade de ervilhinhas e
seixinhos; batiam de tempos a tempos com essas bexigas na boca ou nas orelhas
daqueles que lhes ficavam mais próximos e não pude perceber o motivo de tal
hábito. A inteligência deste povo parecia tão distraída e tão mergulhada em
profunda meditação, que ninguém podia falar nem estar com atenção ao que se
lhe dizia sem o auxílio daquelas ruidosas bexigas, com que se lhe batia na boca ou
nas orelhas, para o despertar. Esta era a razão por que as pessoas que possuíam
certos meios, mantinham um criado, que lhes servia de monitor e sem o qual
nunca saíam.
A ocupação deste personagem, quando duas ou três pessoas se