Page 222 - As Viagens de Gulliver
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encontravam  juntas,  consistia  em  bater  habilmente  com  a  bexiga  na  boca
      daquele a quem se dirigia o discurso. O monitor acompanhava sempre o seu amo
      quando ele saía, e era obrigado a dar-lhe, de quando em quando, com a bexiga
      nos olhos, porque, sem isso, os seus grandes devaneios pô-lo-iam muita vez em
      perigo de cair em algum precipício, ou de bater com a cabeça em algum poste,
      de empurrar os outros na rua, ou de ser lançado em algum riacho.
          Fizeram-me subir ao cume da ilha e entrar no palácio do rei, onde vi Sua
      Majestade num trono, cercado de personagens da primeira distinção. Em frente
      do  trono  estava  uma  grande  mesa  cheia  de  globos,  esferas  e  de  instrumentos
      matemáticos  de  toda  espécie.  O  rei  não  deu  pela  minha  entrada,  embora  a
      multidão que me acompanhasse fizesse bastante alarido; estava, então, entregue
      à solução de um problema, e parámos defronte dele durante uma hora precisa, à
      espera  de  que  Sua  Majestade  acabasse  a  sua  operação.  Havia  junto  dele  dois
      pajens  empunhando  bexigas,  e  um  deles,  quando  Sua  Majestade  concluiu  o
      trabalho,  bateu-lhe  docemente  e  com  respeito  na  boca,  enquanto  o  outro  lhe
      bateu na orelha direita. O rei pareceu, então, despertar como que em sobressalto
      e, circunvagando a vista por mim e pela gente que me rodeava, recordou-se do
      que lhe haviam dito acerca da minha chegada, poucos momentos antes; dirigiu-
      me algumas palavras e logo um homem, armado de uma bexiga, se aproximou
      de mim e bateu-me com ela na orelha direita; fiz-lhe, porém, sinal de que era
      desnecessário ter esse trabalho, o que deu ao rei e a toda a corte uma elevada
      idéia acerca da minha inteligência. O soberano fez-me algumas perguntas, a que
      respondi  sem  que  um  e  outro  nos  compreendêssemos.  Em  seguida  me
      conduziram  a  um  aposento  onde  me  serviram  o  jantar.  Quatro  pessoas  de
      distinção me deram a honra de se sentar perto de mim; tivemos dois serviços,
      cada  um  de  três  pratos.  O  primeiro  era  composto  de  uma  perna  de  carneiro
      cortada  em  triângulo  equilátero;  de  uma  peça  de  boi  sob  a  forma  de  um
      rombóide e de um chouriço de sangue sob a de um ciclóide. O segundo serviço
      foi  constituído  por  dois  pratos  semelhando  rabecas,  salsichas  e  lingüiças,  que
      pareciam flautas e oboés, e um fígado de veado que tinha a aparência de uma
      harpa. Os pães, que nos serviram, tinham a configuração de cones, de cilindros e
      de paralelogramos.
          Depois do jantar, um homem veio ter comigo da parte do rei, com uma
      caneta, tinta e papel, e fez-me compreender, por sinais, que tinha ordem de me
      ensinar a língua do país. Estive com ele perto de quatro horas, durante as quais
      escrevi em quatro colunas um grande número de palavras com a tradução em
      frente.  Ensinou-me  também  algumas  frases  curtas,  cujo  sentido  me  deu  a
      conhecer, dizendo-me o que elas significavam. O meu professor mostrou-me em
      seguida, num dos seus livros, a figura do sol, da lua, das estrelas, do zodíaco, dos
      trópicos e dos círculos polares, dizendo-me o nome de tudo isso, assim como de
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