Page 224 - As Viagens de Gulliver
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Muitos deles, principalmente aqueles que se dedicam à astronomia, caem
na astrologia judiciária, embora não se atrevam a confessá-lo publicamente; mas
o que eu encontrei de mais surpreendente, foi a tendência, que tinham, para a
política, e a curiosidade pelos comentários; falavam continuamente dos negócios
de Estado e faziam sem cerimônia alguma o seu juízo acerca de tudo quanto se
passava nos gabinetes dos príncipes. Notei, muitas vezes, o mesmo carácter nos
nossos matemáticos europeus, sem nunca ter podido encontrar a menor analogia
entre os matemáticos e a política, salvo se se imagina que, assim como um
círculo menor tem tantos graus como o círculo maior, aquele que se encontra
apto para raciocinar sobre um círculo traçado num papel, possa do mesmo modo
fazê-lo sobre a esfera do mundo; porém não será antes o defeito natural de todos
os homens, que se dão o prazer de falar e de raciocinar sobre o que menos
percebem?
Este povo parece sempre inquieto e assustado. Aquilo que não conseguiu
nunca impedir o repouso dos outros homens é o contínuo assunto das suas queixas
e dos seus temores; ficam apreensivos com a alteração dos corpos celestes; por
exemplo: que a terra, pelas contínuas aproximações do sol, não seja por fim
devorada pelas chamas deste terrível astro; que esse archote da natura não se
encontre a pouco e pouco coberto de crosta pela espuma e não venha a apagar-
se completamente para os mortais; temem que o próximo cometa que, consoante
os seus cálculos, aparecerá dentro de trinta e um anos, com uma pancada da sua
cauda fulmine a terra e a reduza a cinzas; receiam ainda que o sol, à força de
espalhar os raios por toda parte, venha a gastar-se e a perder completamente a
sua substância. São estes os receios e as inquietações que lhes tiram o sono e os
privam de toda a espécie de prazeres; assim, logo que se encontram de manhã,
as primeiras palavras que trocam entre si é referindo-se a ele, perguntando como
passa, e em que estado nasceu e desapareceu no ocaso.
As mulheres desta ilha são muito vivas; desprezam os maridos e são muito
amáveis com os estrangeiros, de que há sempre um considerável número na
comitiva da corte; é também entre eles que as damas da corte escolhem os seus
amantes. O que há de desagradável nisto, é que elas costumam entregar-se sem
rebuço algum e com certa segurança, porque os maridos estão tão absorvidos nas
suas especulações geométricas, que se lhes acaricia as mulheres na sua presença
sem que eles dêem por isso, contanto que o seu monitor lá não esteja para lhes
bater com a bexiga.
As donzelas e as mulheres casadas sentem grande desgosto em viverem
encerradas naquela ilha, embora seja o mais delicioso ponto da terra e vivam
entre riqueza e magnificências. Podem ir para onde quiserem, na ilha, mas
almejam correr mundo e dirigir-se à capital, onde lhes é proibido ir sem