Page 234 - As Viagens de Gulliver
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espíritos voláteis recolhidos nessa região aérea; que essas pessoas, ao regressar,
tinham começado a reprovar o que se passava no país inferior e resolvido
colocar as ciências e as artes em novas bases; que para isso haviam obtido
cartas-patentes para erigir uma academia de engenheiros, ou seja de pessoas e
de sistemas; que o povo era tão fantástico, que existia uma academia dessa gente
em todas as grandes cidades; que, nessas academias ou colégios, os professores
tinham achado novos métodos para agricultura e arquitetura, e novos
instrumentos e manufaturas, por meio dos quais um só homem poderia produzir
tanto como dez, e um palácio podia ser construído numa semana com materiais
tão sólidos, que duraria eternamente sem haver necessidade de reparação; todos
os frutos da terra deviam nascer em todas as nações, cem vezes maiores do que
presentemente, com uma infinidade de outros admiráveis projetos.
— É pena — continuou ele — que nenhum desses projetos fosse
aperfeiçoado até agora, que em pouco tempo todo o campo fosse devastado
miseravelmente, que a maior parte das casas tenha caído em ruínas e que todo o
povo, nu, morra de frio, de sede e de fome. Com isto tudo, longe de
desanimarem, sentem-se cada vez com maior coragem no prosseguimento dos
seus sistemas, levados a pouco e pouco pela esperança e pelo desespero.
Acrescentou que, para o que era dele, não sendo um espírito
empreendedor, contentara-se em agir conforme o método antigo, de viver em
casas construídas pelos seus antepassados e de fazer como eles faziam, sem
inovações; que as poucas pessoas de distinção que haviam seguido o seu
exemplo, tinham sido olhadas com desprezo e se tinham até tornado odiosas,
criaturas mal intencionadas, inimigas das artes, ignorantes, maus republicanos,
preferindo a sua comodidade e a sua mole preguiça ao bem geral do país.
Sua Excelência acrescentou que me não queria tirar, com arrazoados, o
prazer que teria quando fosse visitar a academia dos sistemas; que desejava
simplesmente que observasse uma construção arruinada do lado da montanha;
que o que via, a meia milha do seu palácio, era um moinho, que a corrente de
um grande rio fazia mover, o que bastava para a sua casa e para um grande
número dos seus vassalos; que havia aproximadamente sete anos uma
companhia de engenheiros viera propor-lhe o arrasamento do moinho e a
construção de um outro no sopé da montanha, no cume da qual seria construído
um reservatório para onde a água podia ser levada por meio de tubos e
máquinas, de maneira que o vento e o ar no alto da montanha agitasse a água e a
tornassem mais fluida, e que o peso desta, ao descer, faria, com a sua queda,
mover o moinho com metade da corrente do rio; disse-me que, não se tendo
dado bem na corte, porque não tinha até agora adotado nenhum dos novos
sistemas, e apertado por muitos amigos, aceitara o projeto; que, porém, depois de