Page 230 - As Viagens de Gulliver
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cima da cidade rebelde e das terras próximas; dessa maneira priva a região do
      sol e do orvalho, o que causa doenças e mortandade; mas, se o crime o merece,
      atira-lhes grandes pedras do alto da ilha, de que só podem livrar-se refugiando-se
      nos  celeiros  e  nos  subterrâneos,  onde  passam  o  tempo  a  beber  enquanto  os
      telhados das suas casas são despedaçados. Se continuam temerariamente na sua
      teimosia e na sua revolta, o rei recorre então ao último remédio, que é deixar
      cair a ilha a prumo sobre as suas cabeças, o que esmaga todas as casas e todos os
      habitantes. No entanto, o príncipe raramente lança mão desse temível extremo,
      que  os  ministros  não  se  atrevem  a  aconselhar-lhe,  visto  que  esse  violento
      processo os tornaria odiosos ao povo e prejudicaria também a eles, que possuem
      os seus bens no continente, porque a ilha só pertence ao rei, que também apenas
      possui a ilha como domínio.
          Há ainda uma outra razão mais forte pela qual os reis deste país fogem
      sempre de aplicar esse último castigo, salvo num caso de absoluta necessidade; é
      porque, se a cidade que se quer destruir fica situada perto de alguns rochedos
      altos  (porque  os  há  neste  país,  assim  como  em  Inglaterra,  perto  das  grandes
      cidades  que  foram  expressamente  construídas  junto  dessas  rochas,  para  se
      preservarem  das  cóleras  régias)  ou  se  tem  grande  número  de  campanários  e
      pirâmides  de  pedra,  a  ilha  real,  com  a  sua  queda,  podia  quebrar-se.  São
      principalmente os campanários que o rei teme e o povo sabe isso perfeitamente.
      Assim, quando Sua Majestade está deveras agastado, faz sempre descer a ilha
      muito suavemente, com medo, diz ele, de esmagar o seu povo, mas, no íntimo, o
      que mais teme é que os campanários lhe quebrem a ilha. Nesse caso, os filósofos
      supõem que o ímã não poderia ampará-la mais e cairia fatalmente.
          Segundo  uma  lei  fundamental  deste  reino,  nem  o  rei  nem  nenhum  dos
      seus dois filhos mais velhos pode, em caso algum, abandonar a ilha; o mesmo
      acontecendo à rainha, se ainda se encontra em idade de procriar.
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