Page 231 - As Viagens de Gulliver
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CAPÍTULO IV
O autor deixa a ilha de Lapúcia e é levado aos Balnibarbos — A sua chegada à
capital — Descrição desta cidade e arredores — É recebido com bondade por um
grão-senhor.
E mbora não possa dizer que fui maltratado nesta ilha, é contudo verdade que me
supus pouco atendido e um tanto desprezado. O príncipe e o povo só se
dedicavam a curiosidades, a matemáticas e à música; sobre este assunto estava
eu muito abaixo deles e faziam-me justiça dando-me pouca importância.
Por outro lado, depois de ter visto todas as curiosidades da ilha, sentia
grande vontade de sair dali, estando muito cansado daqueles aéreos insulares. É
verdade que me excediam em ciências, que muito estimo, e de que possuo
algumas luzes; mas estavam tão absorvidos nas suas especulações que nunca me
encontrara em tão triste companhia. Só me entretinha com mulheres, (que
entretenimento para um filósofo marítimo!) com operários, com monitores, com
os pajens da corte e gente de vária espécie, o que aumentou o desprezo que me
tinham; mas, de fato, podia proceder de outro modo? Aqueles eram os únicos
com quem eu podia me entender; os outros não falavam.
Havia na corte um grão-senhor, favorito do soberano e que, por esse
único motivo, era tratado com respeito, sendo contudo considerado por todos
como um homem muito ignorante e estúpido. Passava por ser honrado e probo,
porém não tinha ouvidos para a música e era uma completa negação para
matemáticas, tanto que nunca pudera aprender os mais fáceis problemas de
aritmética. Este cavalheiro tratou-me com as mais cativantes provas de estima;
deu-me muitas vezes a honra de visitar-me, desejando informar-se dos negócios