Page 232 - As Viagens de Gulliver
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da Europa e conhecer os usos, costumes, leis e ciências das diferentes nações em
      que me demorara; ouvia-me sempre com a máxima atenção e fazia magníficas
      observações a respeito de tudo quanto lhe dizia. Dois monitores acompanhavam-
      no pró-forma, mas só se servia deles na corte e nas visitas de cerimônia; quando
      estávamos juntos, mandava-os retirar.
          Pedi  a  este  alto  personagem  que  intercedesse  por  mim  junto  de  Sua
      Majestade  para  eu  me  despedir,  e  ele  concedeu-me  essa  mercê  com  prazer,
      como teve a bondade de dizer-me, e fez-me muitos e vantajosos oferecimentos
      que no entanto recusei, patenteando o meu vivo reconhecimento.
          A 16 de Fevereiro, despedi-me de Sua Majestade, que me ofereceu um
      considerável presente, e o meu protetor deu-me um diamante, com uma carta de
      recomendação para um elevado personagem seu amigo, residente em Lagado,
      capital  de  Balnibarbo.  Estando  a  ilha  suspensa  sobre  uma  montanha,  desci  do
      último terraço da ilha pelo mesmo processo por que subira.
          O  continente  chama-se  Balnibarbo,  e  a  capital,  como  já  disse,  tem  o
      nome de Lagado. A princípio, foi uma grande satisfação para mim o ver-me em
      terra firme e não no ar. Dirigi-me para a cidade sem custo nem estorvo algum,
      vestindo como os habitantes e sabendo muito bem a língua para a falar. Encontrei
      sem dificuldade a moradia da pessoa a quem ia recomendado. Apresentei-lhe a
      carta do elevado personagem e fui muito bem recebido. Esta personagem, que
      era uma pessoa importante balnibarba e que se chama Munodi, deu-me um belo
      alojamento em sua casa, onde permaneci durante a minha estada nesse país e
      onde fui muito bem tratado.
          Na manhã do dia seguinte àquele em que cheguei, Munodi fez-me entrar
      no seu coche para me mostrar a cidade, que é grande como meia Londres; as
      casas, porém, eram estranhamente construídas, e a maior parte delas estava em
      ruínas;  o  povo,  coberto  de  andrajos,  andava  com  passo  precipitado,  tendo  um
      olhar feroz. Passámos por uma das portas da cidade e avançámos uns três mil
      passos no campo, onde vi grande número de lavradores que trabalhavam na terra
      com muitas espécies de instrumentos; não pude, contudo, perceber o que faziam;
      não via em parte alguma coisa que se parecesse com ervas ou com sementes.
      Pedi ao meu guia que me explicasse o que pretendiam todas aquelas cabeças e
      aquelas mãos ocupadas na cidade e no campo, não vendo dali resultado algum,
      porque, na verdade, nunca encontrara terra tão mal cultivada, nem casas em tão
      mau estado, um povo tão pobre e tão miserável.
          O  senhor  Munodi  fora  muitos  anos  governador  de  Lagado,  mas,  pela
      intriga dos ministros, fora demitido com grande pezar do povo. No entanto, o rei
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