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ENTREVISTA Foto: Felipe
Larozza
GALO BOM DE BRIGA
por Paulo Fontes
Paulo Galo, 31, fundador do Movimento Entregadores Antifascistas, rapper
e morador da periferia paulistana, rapidamente destacou-se como liderança
articulada e engajada que desafiou o poder das empresas de delivery, o
governo, e os disseminados discursos de empreendedorismo.
Nessa entrevista ele conta como os entregadores que trabalham
com aplicativos resistem à precarização e geram novas formas de
luta e repertórios de ação coletiva.
pandemia da COVID 19 teve o efeito e pela Universidade Federal do Paraná demonstrou não ape-
inesperado de dar visibilidade para tipos e formas de traba- nas queda da remuneração durante a pandemia, mas também
lho historicamente invisibilizadas. O isolamento social e a deterioração expressiva das condições de trabalho. Quase 57%
reclusão nas casas trouxeram para o centro do debate públi- dos entregadores disseram que trabalhavam mais de 9 horas
co os trabalhadores que fazem serviços de entrega e trans- diárias em jornadas de 6 a 7 dias por semana. A maioria ainda
porte através de aplicativos de plataformas digitais, um tipo afirmava que as empresas não os apoiaram em nada para que
de trabalho já bastante difundido há alguns anos, em parti- diminuísse os riscos de contaminação durante a pandemia.1
cular nas grandes cidades brasileiras. Esse quadro, no entanto, não é surpreendente. Nos últi-
I-Food, Uber-eats e Rappi, entre outras, tornaram-se mar- mos anos os entregadores tornaram-se um dos símbolos da
cas enormemente difundidas; mesmo em meio à crise econô- precarização do trabalho no país. Circulando em suas mo-
mica, têm estado entre os setores de maior lucratividade. Se- tocicletas e bicicletas de aluguel, milhares de jovens, em sua
gundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRA- maioria homens afrodescendentes moradores das periferias
SEL), o chamado mercado de delivery no Brasil movimentou urbanas, passaram a marcar o cenário das grandes cidades. O
cerca de dois bilhões de dólares somente no ano de 2018. aprofundamento da crise econômica desde 2015, o crescente
O cenário da pandemia impulsionou ainda mais esse desemprego combinados com as reformas neoliberais na legis-
setor econômico. Os serviços de entrega foram oficialmente lação trabalhista tornaram essa opção de trabalho a única pos-
declarados como essenciais e disseminaram-se em progres- sível para milhares de pessoas. Recentemente o próprio perfil
são geométrica. Mas, a ampliação dos serviços esteve longe dos entregadores vem mudando, com a crescente participação
de significar melhores condições de trabalho e salários para de mulheres e homens mais velhos. Para muitos sociólogos
os entregadores. Ao contrário, de fato. A combinação de cri- e estudiosos do trabalho, os entregadores representariam um
se sanitária e econômica e o aumento da demanda permitiu suposto novo tipo de relações de trabalho no país e têm arti-
às empresas recrutar ainda mais entregadores rebaixando a
remuneração e as já precárias condições do trabalho. Uma 1 ABÍLIO, Ludmila Costhek; ALMEIDA, Paulo Freitas; AMORIM, Henrique; CARDOSO, Ana Claudia
Moreira; FONSECA, Vanessa Patriota da; KALIL, Renan Bernardi; MACHADO, Sidnei. “Condições
pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a Covid-19.” Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, Edição Especial: Dossiê COVID-19, 2020.
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 31