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ENTREVISTA




          bandido,  eu  tenho  que ser bandido   tro? Toma aqui o Malcolm X, do Alex     que eu não queria ser bandido, que eu
          igual esses caras da rádio”. E aí, andando   Haley, o mesmo autor que escreveu o   queria ser inteligente. O movimento
          por aí, andando, andando, andando, eu   Negras Raízes”. Eu li de novo, e aí ele   hip hop foi minha escola política, tudo
          acabei descobrindo pessoas que faziam   foi me dando livros: As Veias Abertas   que eu aprendi em política, foi através
          rap, encontrei um companheiro cha-     da América Latina; O Príncipe de Ma-    do movimento hip hop, né. Hoje eu te-
          mado Du Gueto Shabbaz, foi meu pro-    quiavel; O Admirável Mundo Novo;        nho 31 anos de idade, eu sou uma das
          fessor a vida toda. E aí eu cheguei nele,   1984; A Revolução dos Bichos... eu já   crianças do movimento hip hop que
          eu achava muito louca as letras de rap   fui ganhando uma série de livros e len-  amadureceu.
          dele. Eu escutava as musicas dele, ele ti-  do. E por incrível que pareça eu achava
          nha uma musica chamada “Epidemia”,     que eu já estava lendo pra me trans-    Dulce Pandolfi:  Ultimamente, a ube-
          e essa musica falava que a burguesia so-  formar no bandido da rádio. E aí aqui   rização é um sistema (onde) você não
          fria de “guetofobia” e eu achava incrível   em São Paulo tem um sarau de poesia   tem relação de emprego formalizada.
          essa letra.  Eu  queria escrever daquele   que chama Cooperifa. E aí uma vez eu   Tem atingido vários países do mundo,
          jeito. E aí eu cheguei eu cheguei nele e   fui levado lá pelo Du Gueto, pelo Gato   inclusive o Brasil. De acordo com esta
          falei: “como é que eu faço pra escrever   Preto, por outros companheiros do rap.   lógica, as pessoas que prestam serviço
          um rap igual ao seu, irmão”. Ele falou   E aí eu vi o pessoal ir no microfone e   pras empresas, elas por não terem o
          assim: “oh, moleque, pro cê escrever cê   recitar a letra de rap deles no sarau. E   vínculo  formal  de  trabalho, elas  são
          tem que ler”. Eu falei: “ler?”. Ele falou:   aí eu vi que tinha um pessoal acadêmi-  chamadas empreendedoras. Qual a sua
          “É! Quer? Quer cantar rap igual eu? Eu   co, um pouco mais diferente do círculo   visão sobre esse fenômeno da uberiza-
          tenho um livro aqui!”. Eu falei: “então   de amizades que a gente tinha batendo   ção? E nessa situação de uberização,
          tá bom, daí o livro”. Ele me deu o “Ne-  palmas pra eles. E aí eu descobri que os   como se dá a relação dos trabalhadores
          gras Raízes”, do Alex Haley. Eu fui pra   cara não  era  bandido,  que  os  cara  era   com as empresas?
          casa, li o livro, me impressionei com   inteligente. Eles era respeitado não era
          tudo que eu tinha aprendido ali. Escre-  porque eles era bandido, e sim porque   Paulo Galo: Como é que a gente faz pra
          vi meu rap, ficou bom. Cheguei nele e   eles era inteligente. E rap e crime não   um povo não se unir? A gente primei-
          mostrei e ele falou: “quer escrever ou-  tinha nada a ver. Então eu descobri ali   ro faz ele não se enxergar como um
                                                                                         povo. A gente primeiro faz ele não se
                    Então, essa tática deles de dizer assim, “ah, você                   enxergar como povo pra que ele não
                    não é trabalhador, você é empreendedor, você é                       possa se unir, não possa discutir as

                    quase igual nois” acabou funcionando, mano. Os                       coisas e não venha pra cima do algoz.
                                                                                         Certo? É igual a questão dos preto no
                    cara acabou se enxergando como empreendedor.
                                                                                         Brasil, sabe mano? Pra muitos eu não
          Só que não tem nada de empreendedorismo. Subir numa                            sou preto. Eu me considero preto. Me

          moto e entregar uma comida? Num valor que cê não                               considero parte do povo preto, meu
          estabeleceu? Ganhar menos do que 50 centavos por                               pai é preto, minha família é preta, o
          quilômetro? Isso é empreendedorismo? Carregar comida                           bairro que eu nasci é preto, a comida
                                                                                         que eu comi é de preto, a vida que eu
          nas costas com fome? Correr o risco de ser infectado?                          vivi é de preto, eu sou o que? Só que
          Machucar e ser abandonado pelo aplicativo? Ser                                 tem muita gente querendo dizer: “não,
          bloqueado? Acordar bloqueado? Na onde, mano? Isso não é                        sua pele é clara, seu cabelo é mais ma-
                                                                                         leável, então você não é preto, mano”.
          empreendedorismo! Isso é exploração.                                           Ou seja, mano, você joga a auto estima







       34   ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020
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