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LIVROS




                   “o bacilo da peste não morre   reforça, em um dos capítulos de seu    ratos e fáceis de usar, porque as empre-
               nem desaparece nunca, que pode    livro, que “não se trata apenas de uma   sas não consideravam suficientemente
               permanecer adormecido  por déca-  crise do neoliberalismo: a crise é do ca-  lucrativa. Ironicamente comenta:  “o
               das nos móveis e nas roupas, que   pitalismo”.                            foco da maximização dos lucros ‘nem
               espera pacientemente nos quartos,     A crise tal qual ela ocorre, não to-  sempre é consistente’ com a esperança
               nas adegas, nas malas, nos lenços e   maria essa proporção se tivéssemos as   de sobrevivência da humanidade”.
               nos papéis, que talvez chegue o dia   condições de atender às medidas de      Segundo Ricardo Antunes: “A esta
               em que, infortúnio ou lição aos ho-  enfrentamento, que são basicamente:   simultaneidade e imbricação trágica
               mens, a peste acordará seus ratos   o isolamento, medidas de higiene, in-  entre  sistema de metabolismo antisso-
               para mandá-los morrer numa cida-  formação, acesso ao sistema de saúde    cial do capital, crise estrutural e explosão
               de feliz”.                        e desenvolvimento de vacinas e outras   do coronavírus podemos denominar,
                                                 tecnologias médicas. “O flagelo do de-  se quisermos usar uma síntese forte,
             Essa metáfora evidencia que a per-  semprego, as habitações precárias para   capital pandêmico. [...] Sua dinâmica
          petuação do nosso modo de vida sem-    suportar quarentenas, as contamina-     é muito mais brutal e intensa para a
          pre trará novas crises sistêmicas. A ideia   ções em transportes lotados, a fragili-  humanidade que depende do próprio
          de crise sistêmica não significa apenas   dade do sistema de saúde são, exata e   trabalho para sobreviver” (grifos do
          que uma ‘crise sanitária’ provocou uma   necessariamente, condições históricas   próprio autor). Seu livro “Coronavirus:
          ‘crise social’, revelando e aprofundan-  de um modo de produção específico, o   o trabalho sob fogo cruzado” trata justa-
          do os problemas de sociabilidade que   capitalismo”, diz. É a estrutura social e   mente da crise do ponto de vista da
          já existiam. Significa, sobretudo, que a   a lógica de mercado que impedem que   classe trabalhadora. O fogo cruzado
          crise da Covid-19 é, em si mesma, uma   as pessoas possam se proteger e evitar o   sob o qual esta se encontra é a “esco-
          crise, eminentemente, social. O profes-  contágio e a disseminação, e que impe-  lha” disponível entre morrer de vírus
          sor Alysson Mascaro em “Crise e Pan-   dem o desenvolvimento e o acesso aos    ou morrer de fome. Segundo o autor,
          demia” é quem melhor desenvolve essa   bens necessários para a prevenção e a   como o trabalho (que é visto pelo ca-
          ideia:                                 cura.                                   pital como um mero custo) não pode
                   No fundamental, [a crise] é do    Noam Chomsky escreve o seguin-      ser eliminado pois é essencial à valori-
               modelo de relação social, baseado   te em seu texto, dentro da coletânea   zação do capital, ele é atacado, em suas
               na apreensão dos meios de produ-  “Quarentena”:  “os cientistas alertam   condições, através de terceirização, in-
               ção pelas mãos de alguns e pela ex-  para uma pandemia há anos, insisten-  formalidade, intermitência, superex-
               clusão automática da maioria dos   temente desde a epidemia de SARS de    ploração, uberização, formas análogas
               seres humanos das condições de    2003, também causada por um corona-     à escravidão etc. O foco dele nesse livro
               sustentar materialmente sua exis-  vírus, para o qual as vacinas foram de-  é a faceta neoliberal do Capital e suas
               tência, sustento  que as  classes  des-  senvolvidas, mas não avançaram além   novas formas de exploração e como o
               providas de capital são coagidas a   do nível pré-clínico”. Segundo ele, “essa   discurso da modernização das condi-
               obter mediante estratégias de venda   opção foi barrada pela patologia da or-  ções de trabalho, do ‘empreendedoris-
               de sua força de trabalho. O modo de   dem socioeconômica contemporânea.   mo’ etc é desmascarado frente à crise.
               produção capitalista é a crise.   Os sinais do mercado eram claros: não             Em pleno século XXI, com al-
                                                 há lucro em evitar uma catástrofe futu-       goritmos, inteligência artificial,  in-
             É importante ressaltar que a críti-  ra. O governo poderia ter entrado em         ternet das coisas, big data, Indústria
          ca do capitalismo nos discursos e deba-  cena, mas isso é impedido pela doutrina     4.0, 5G e tudo mais que temos deste
          tes atuais, por vezes, tem se limitado à   reinante: ‘o governo é o problema’”. Ele   arsenal informacional [...] há cente-
          crítica da lógica e ao modelo neolibe-  cita ainda a interrupção, no passado re-     nas de milhões que exercem moda-
          ral. Diante disso, o professor Mascaro   cente, da produção de ventiladores ba-      lidades de trabalho típicas de uma





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