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LIVROS
era de servidão. E isso se tiverem sado pela exploração capitalista, pela fundamentais da economia: “os ajustes
sorte, se forem contemplados com discriminação racial e pela discrimi- fiscais, especialmente aqueles baseados
o privilégio de encontrar trabalho nação sexual”. Boaventura fala de três nos cortes de gastos, tendem a aumen-
[...] padecendo das vicissitudes e vi- “unicórnios”, três principais modos de tar a desigualdade e o desemprego, que
lipendias do que denominei escravi- dominação, desde o século XVII: capi- afeta proporcionalmente mais a popu-
dão digital. (grifos do autor) talismo, colonialismo e patriarcado. A lação negra” e, acrescento, ainda mais
Nesse mesmo sentido, Zizek tece analogia do unicórnio eu vou deixar as mulheres negras. E essa é justamente
uma crítica às ideias predominantes como curiosidade para quem preten- parte das lições de “A cruel pedagogia do
no capitalismo contemporâneo onde de ler o livro, mas o importante é que vírus” de Boaventura Santos, a de que
prepondera a ideia de que cada vez apesar desses três elementos “serem “as pandemias não matam tão indiscri-
mais as mudanças tecnológicas no onipresentes na vida dos humanos e minadamente quanto se julga” e que
modo de produção levam a uma redu- das sociedades, são invisíveis em sua “o colonialismo e o patriarcado estão
ção da exploração dos trabalhadores. essência e na articulação entre si”, em vivos e reforçam-se nos momentos de
Afirma que: outras palavras, essas formas de domi- crise”.
muito se tem escrito a respeito nação não se sustentam apenas pela Diante de tudo isso, que fazer? O
de como o velho modo de trabalho força bruta, mas também possuem a ‘receituário’ do Capital, das corpora-
na linha de produção fordista teria astúcia de parecerem que desaparece- ções, para a saída da crise, nas palavras
sido substituído por uma nova mo- ram ou foram minimizados enquanto Ricardo Antunes, representa um ver-
dalidade de trabalho cooperativo de permanecem ativos e atuantes e de pa- dadeiro ‘obituário’ para a classe traba-
criação que deixa muito mais espa- recerem entidades separadas quando lhadora:
ço para a inventividade individual. funcionam em profunda articulação. mais flexibilização, mais infor-
No entanto, o que está efetivamente Nesse ponto é interessante citar o malidade, mais intermitência, mais
ocorrendo não é tanto uma substi- livro de Angela Davis e Naomi Klein, terceirização, mais home office, mais
tuição, mas uma terceirização [...] que na verdade é a transcrição (e tradu- teletrabalho, mais EAD, mais algo-
para fora do país. Assim ficamos ção) de um debate. disponível nas pla- ritmos “comandando” as atividades
com uma nova divisão do traba- taformas digitais, no qual elas eviden- humanas, visando convertê-las (em
lho: trabalhadores autoemprega- ciam o “capitalismo racial”, em que os todos os setores e ramos em que for
dos e autoexplorados no Ocidente interesses de executivos, acionistas e al- possível) em um novo apêndice autô-
desenvolvido, trabalho debilitante guns ricos (homens, brancos etc) valem nomo de uma nova máquina digital
na linha de produção do Terceiro mais do que a vida de bilhões. A discus- que, embora possa parecer neutral,
Mundo, além da esfera crescente de são do feminismo e do racismo tem ga- serve aos desígnios inconfessáveis
trabalhadores de cuidado humano nhado, nos últimos tempos, atores que da autocracia do capital.
em todas as suas formas (cuidado- procuram cada vez mais mostrar como
res, garçons etc.), em que também essas pautas são estruturais e comple- Alguns autores incluíram em seus
abunda a exploração. tamente relacionadas à luta de classes, livros uma parte significativa de refle-
em oposição à um enfoque liberal que xões sobre qual seria a solução para a
Boaventura de Sousa Santos tam- há tempos tem dominado essas pautas. crise. O próprio título do livro de Zi-
bém analisa a crise da perspectiva dos Aqui no Brasil, Silvio Almeida recente- zek, Pandemia covid-19 e a reinvenção do
grupos mais afetados, o que ele chama mente ganhou destaque nesse debate. comunismo, chama bastante a atenção
de “sul”. O sul não é um espaço geo- Em um artigo, escrito em parceria com nesse sentido, no entanto, o autor de-
gráfico, “designa um espaço-tempo um professor da Unicamp, mostra que cepciona um pouco pelo enfoque que
político, social e cultural. É a metáfora o racismo em sua dimensão estrutural decide adotar: “Precisamos de solida-
do sofrimento humano injusto cau- precisa ser tratado como um dos temas riedade incondicional e de uma res-
80 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020