Page 87 - EP 11 completa
P. 87

LIVROS




          ou ignorando o fato de que é esta pró-  característica exclusiva de determinado   ta, que resultou em uma aliança entre
          pria ordem a geradora do racismo e das   grupo, o identitarismo também mani-   trabalhadores afro-americanos e euro-
          desigualdades; os defensores de uma    festa-se de distintas maneiras e em defe-  -americanos, constituiu “um momento
          classe trabalhadora abstrata por descon-  sa de identidades diferentes – inclusive,   decisivo no longo e complexo processo
          siderarem a centralidade da raça como   e destacadamente, em defesa de uma     de invenção da raça branca como for-
          mecanismo de manutenção do sistema     “raça branca”.                          ma de controle social” (HAIDER, 2019,
          e como determinante da experiência da      O próprio conceito moderno de       p. 86).
          própria classe que dizem defender.     raça, como demonstra Haider, está vin-      É com base nas possíveis conse-
                                                 culado à expansão do capitalismo e do   quências desta revolta que se fortalece
               Armadilha, armadilhas             colonialismo. Ignorar esta história é   a opção pelo uso da mão de obra de
                                                 cair em outra das armadilhas possíveis.   africanos escravizados, visto que ela
               ‘Identidade’ é um fenômeno real:   Por isso, baseado nos trabalhos de his-  possibilitava uma negociação entre os
               ela corresponde ao modo como o    toriadoras como Barbara Fields e Nell   fazendeiros e as classes trabalhadoras
               Estado nos divide em indivíduos,   Painter, o autor sustenta a hipótese de   euro-americanas,  concentrando  a  su-
               e ao modo como formamos nossa     que o grande negócio da escravidão e da   perexploração no trabalho forçado de
               individualidade em resposta a uma   associação da mesma à raça negra não   africanos. Como afirma Haider:  “essa
               ampla gama de relações sociais. Ela   foi a produção da supremacia branca,   aliança racial euro-americana foi a me-
               é, no entanto, uma abstração. Uma   mas a produção de algodão, açúcar, ar-  lhor defesa da classe dominante contra
               abstração que não nos diz nada    roz e tabaco. Dito de outra maneira, a   a possibilidade de uma aliança entre a
               sobre as relações sociais específicas   supremacia branca foi uma das formas   classe trabalhadora euro-americana e
               que a constituíram” (HAIDER, 2019,   de dominação encontradas pelas elites   afro-americana” (HAIDER, 2019, p. 86).
               p. 38).                           coloniais para tentar bloquear questio-  Para sustentar este movimento, a clas-
                                                 namentos à ordem.                       se dominante euro-americana passou a
             Os argumentos de Haider, ancora-        É este o movimento feito pelo au-   desenvolver uma ideologia que pregava
          dos em situações vivenciadas pelo mes-  tor ao retomar estudos sobre a história   a inferioridade dos africanos, racionali-
          mo e/ou em debates travados no passa-  da raça branca, demonstrando que a      zando e justificando o trabalho forçado
          do, trazem à luz diferentes armadilhas   própria ideia de uma raça branca, nos   dos mesmos – o que acaba, por outro
          construídas ao abordar a identidade    Estados Unidos, forma-se apenas no fi-  lado, incluindo o conjunto dos euro-
          sem considerar suas relações sociais   nal do século XVII. Isso não significa,   peus à noção geral de “raça branca” (até
          constituintes. Uma das armadilhas é    de acordo com Haider, a inexistência    então, a Europa era vista como consti-
          ignorar o fato de que todas as pessoas   anterior do racismo. Significa, sim, que   tuída por raças diferentes e, inclusive,
          possuem identidade. Mesmo a bran-      o racismo gerou a “raça branca” e a “raça   como no caso dos irlandeses, por raças
          quidade, tida como padrão em nossa     negra” – e não o contrário. E, no caso   “inferiores”).
          sociedade, é também é uma forma de     estadunidense, esta divisão conformou       Haider demonstra que, ao longo
          identidade particular, que só existe de   poderosas ferramentas para evitar a   dos séculos, essa distinção racista gerou
          maneira relacional, interagindo com    união entre trabalhadores euro-ameri-   diversos  efeitos para  a classe  trabalha-
          outras identidades. Ou seja, a identida-  canos e afro-americanos – ambos, até   dora. Dentre eles, pode-se destacar que,
          de é um fenômeno social: tanto a bran-  este momento, submetidos, em maior     ao passo em que piorava as condições
          quidade quanto a negritude nasceram    medida, à servidão por dívida do que    de vida dos trabalhadores negros e res-
          e se reproduzem com base no racismo,   à escravidão. A Revolta de Bacon, de    tringia sua liberdade, constituía uma
          não sendo simples nomes para diferen-  1676, é tida como um ponto de virada    espécie de compensação para os traba-
          ças  “biológicas”. De certa forma, jus-  na estratégia de dominação e explora-  lhadores brancos – o salário público ou
          tamente pela identidade não ser uma    ção da classe dos fazendeiros. A revol-  psicológico, como aponta W. E. B. Du





                                                                                         ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020  85
   82   83   84   85   86   87   88   89   90   91   92