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ou ignorando o fato de que é esta pró- característica exclusiva de determinado ta, que resultou em uma aliança entre
pria ordem a geradora do racismo e das grupo, o identitarismo também mani- trabalhadores afro-americanos e euro-
desigualdades; os defensores de uma festa-se de distintas maneiras e em defe- -americanos, constituiu “um momento
classe trabalhadora abstrata por descon- sa de identidades diferentes – inclusive, decisivo no longo e complexo processo
siderarem a centralidade da raça como e destacadamente, em defesa de uma de invenção da raça branca como for-
mecanismo de manutenção do sistema “raça branca”. ma de controle social” (HAIDER, 2019,
e como determinante da experiência da O próprio conceito moderno de p. 86).
própria classe que dizem defender. raça, como demonstra Haider, está vin- É com base nas possíveis conse-
culado à expansão do capitalismo e do quências desta revolta que se fortalece
Armadilha, armadilhas colonialismo. Ignorar esta história é a opção pelo uso da mão de obra de
cair em outra das armadilhas possíveis. africanos escravizados, visto que ela
‘Identidade’ é um fenômeno real: Por isso, baseado nos trabalhos de his- possibilitava uma negociação entre os
ela corresponde ao modo como o toriadoras como Barbara Fields e Nell fazendeiros e as classes trabalhadoras
Estado nos divide em indivíduos, Painter, o autor sustenta a hipótese de euro-americanas, concentrando a su-
e ao modo como formamos nossa que o grande negócio da escravidão e da perexploração no trabalho forçado de
individualidade em resposta a uma associação da mesma à raça negra não africanos. Como afirma Haider: “essa
ampla gama de relações sociais. Ela foi a produção da supremacia branca, aliança racial euro-americana foi a me-
é, no entanto, uma abstração. Uma mas a produção de algodão, açúcar, ar- lhor defesa da classe dominante contra
abstração que não nos diz nada roz e tabaco. Dito de outra maneira, a a possibilidade de uma aliança entre a
sobre as relações sociais específicas supremacia branca foi uma das formas classe trabalhadora euro-americana e
que a constituíram” (HAIDER, 2019, de dominação encontradas pelas elites afro-americana” (HAIDER, 2019, p. 86).
p. 38). coloniais para tentar bloquear questio- Para sustentar este movimento, a clas-
namentos à ordem. se dominante euro-americana passou a
Os argumentos de Haider, ancora- É este o movimento feito pelo au- desenvolver uma ideologia que pregava
dos em situações vivenciadas pelo mes- tor ao retomar estudos sobre a história a inferioridade dos africanos, racionali-
mo e/ou em debates travados no passa- da raça branca, demonstrando que a zando e justificando o trabalho forçado
do, trazem à luz diferentes armadilhas própria ideia de uma raça branca, nos dos mesmos – o que acaba, por outro
construídas ao abordar a identidade Estados Unidos, forma-se apenas no fi- lado, incluindo o conjunto dos euro-
sem considerar suas relações sociais nal do século XVII. Isso não significa, peus à noção geral de “raça branca” (até
constituintes. Uma das armadilhas é de acordo com Haider, a inexistência então, a Europa era vista como consti-
ignorar o fato de que todas as pessoas anterior do racismo. Significa, sim, que tuída por raças diferentes e, inclusive,
possuem identidade. Mesmo a bran- o racismo gerou a “raça branca” e a “raça como no caso dos irlandeses, por raças
quidade, tida como padrão em nossa negra” – e não o contrário. E, no caso “inferiores”).
sociedade, é também é uma forma de estadunidense, esta divisão conformou Haider demonstra que, ao longo
identidade particular, que só existe de poderosas ferramentas para evitar a dos séculos, essa distinção racista gerou
maneira relacional, interagindo com união entre trabalhadores euro-ameri- diversos efeitos para a classe trabalha-
outras identidades. Ou seja, a identida- canos e afro-americanos – ambos, até dora. Dentre eles, pode-se destacar que,
de é um fenômeno social: tanto a bran- este momento, submetidos, em maior ao passo em que piorava as condições
quidade quanto a negritude nasceram medida, à servidão por dívida do que de vida dos trabalhadores negros e res-
e se reproduzem com base no racismo, à escravidão. A Revolta de Bacon, de tringia sua liberdade, constituía uma
não sendo simples nomes para diferen- 1676, é tida como um ponto de virada espécie de compensação para os traba-
ças “biológicas”. De certa forma, jus- na estratégia de dominação e explora- lhadores brancos – o salário público ou
tamente pela identidade não ser uma ção da classe dos fazendeiros. A revol- psicológico, como aponta W. E. B. Du
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 85