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LIVROS




          River, primeira organização a utilizar   coletiva. Onde antes buscava-se a união   na atual conjuntura brasileira, torna-se
          o termo em seu formato contemporâ-     para construir uma sociedade socialis-  uma leitura fundamental para aqueles
          neo, buscou afirmar identidades “par-  ta, agora busca-se o reconhecimento     que querem compreender as origens
          ticulares” para demonstrar a indisso-  individual e a inclusão no capitalismo.   deste debate e pensar alternativas con-
          ciabilidade de diferentes lutas e a ne-  No âmbito da direita, fez (re)surgir ou   cretas.
          cessária aliança entre a diversidade da   intensificar movimentos nacionalistas    O maior exemplo, todavia, encon-
          classe trabalhadora. A intenção seguia   e defensores da supremacia branca. Em   tra-se no esforço feito pelo autor em
          sendo construir o socialismo, mas      ambos os espectros, estimula-se dife-   redefinir os termos do debate, resgatar
          destacando que a revolução socialis-   rentes tipos de moralismo e a fixação   a luta revolucionária estadunidense e
          ta deveria ser feminista e antirracista   com as identidades individuais, como   sustentar uma crítica rigorosa ao iden-
          ao mesmo tempo – o que implicava,      se as mesmas não fossem socialmente     titarismo – sem cair no lugar-comum
          diretamente, na crítica às concepções   produzidas – não coincidentemente,     da centralidade abstrata da categoria de
          que pressupunham uma classe traba-     uma perspectiva em total sintonia com   classe, demonstrando a possibilidade e
          lhadora homogênea.                     o neoliberalismo.                       a necessidade de a esquerda brasileira
             Assim, é preciso ter nitidez acerca     O livro de Haider, desta forma,     empreender um esforço neste sentido,
          do contexto de surgimento e de de-     converte-se em uma importante ferra-    com relação à própria história de nosso
          clínio da política identitária enquan-  menta de luta pela chamada “universa-  país e de nossas lutas. Apesar de seme-
          to parte da luta revolucionária. Em    lidade insurgente”, construída em con-  lhanças em nossa história e em nossa
          síntese,  podemos  afirmar  que  o livro   traposição àqueles que buscam arvorar-  conjuntura atual, nem o Brasil e nem a
          identifica nas próprias debilidades do   -se enquanto proprietários exclusivos   questão racial brasileira pode ser com-
          movimento socialista (em especial dos   de  determinadas  pautas  e  lutas. Com   preendida a partir da realidade dos Es-
          militantes brancos) a origem da neces-  base no livro, é possível compreender   tados Unidos.
          sidade da crítica à ideia de uma classe   a diferença entre a luta antirracista e   Cabe aos revolucionários e revolu-
          trabalhadora fantasmagórica e abstrata   a política identitária atual, apresenta-  cionárias brasileiras recuperar a história
          (via de regra generalizada como mascu-  das por Haider como antíteses uma da   e o legado da luta antirracista e antica-
          lina e branca). Críticas estas que foram   outra. Essa diferenciação, possibilitará,   pitalista brasileira e latino-americana,
          fortemente positivas e estavam vincu-  entre outras coisas, entender o porquê   a fim de perceber nossas particularida-
          ladas ao avanço da luta popular nos    da fixação dos identitaristas com deter-  des e produzir uma análise concreta de
          Estados Unidos. A progressiva coop-    minados “debates”.                      nossa situação concreta. Afinal, o Brasil,
          tação e distorção dos significados des-                                        como o mundo todo, “está com extrema
          ta política, contudo, intensificaram-se     Armadilha da identidade            necessidade de uma nova universalida-
          após as derrotas do conjunto da classe               no Brasil                 de insurgente. Somos capazes de produ-
          trabalhadora e de suas organizações                                            zi-la, todos somos, por definição. O que
          com o avanço do neoliberalismo e o         O debate identitário tem ganho      nos falta é um programa, estratégia e
          fim da União Soviética, fenômenos que   espaço no Brasil. Na grande mídia, nas   táticas. Se deixarmos de lado o refúgio
          estimularam e fortaleceram tendências   empresas e em diversos think tanks. No   da identidade, essa discussão poderá co-
          liberais que tomavam o capitalismo     mundo sindical, no movimento estu-      meçar” (HAIDER, 2019, p. 150).
          como fim da história.                  dantil, nos partidos. Direta ou indire-
             Neste cenário, os atuais identitaris-  tamente, nos mais diversos setores da    GIOVANE DUTRA ZUANAZZI,
          tas encontraram uma terra fértil para o   sociedade, reproduz-se uma tendência   mestrando em História (UFRGS)
          caminho da divisão e da fragmentação.   global com relação à forma e ao conte-
          No campo da esquerda, ocorreu um       údo do debate público e do “tipo ide-       LAUREM JANINE PEREIRA DE AGUIAR,
          deslocamento da centralidade da luta   al” de organização. O livro de Haider,   doutoranda em Serviço Social (PUCRS)





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