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pesar do tema (Bicentenário
da Independência do Brasil) sugerir um
olhar para o passado, nossa perspectiva
deve priorizar o futuro, não só como
realidade provável – o que pressupõe
uma postura passiva sobre o devir do
país – mas como realidade possível – o
que nos obriga a pensar como devemos
agir diante do atual contexto para cons-
truir a sociedade que defendemos. Esta
é a proposta deste texto e, para tanto,
proponho chamar a atenção para um
aspecto específico e, em geral, negligen-
ciado, do contexto histórico: o horizonte Tela “A proclamação da Independência”, de François-René Moreaux, 1844
de expectativa, ou, simplesmente, a pers-
pectiva de futuro socialmente compar- Não é exagero dizer que de todas as
tilhada em um determinado tempo his- independências americanas, a brasileira foi a
tórico.
A noção “horizonte de expectati- mais conservadora. Não só porque preservou
va”, central na obra do historiador Rei- mais do que em outros lugares os laços de
nhart Koselleck e recuperada por au- dependência com a Europa, encarnados na
1
tores como o filósofo brasileiro Paulo
Arantes , se presta a pensar a “estrutura monarquia, depois tornada império, dos Orleans
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temporal” de um determinado tempo e Bragança, mas porque conservou a essência da
histórico. Em última instância, estamos estrutura econômica e social colonial
falando da perspectiva de futuro que
marca a experiência social em determi-
nado tempo ou, como diz Paulo Aran-
tes, em um determinado tempo do mun-
do, referindo-se não só à percepção do
tempo, mas ao tempo histórico em si.
1 Para quem tiver interesse, o historiador alemão
Reinhart Koselleck, nascido em 1923 e falecido em
2006, trabalhou sobretudo com o tema da teoria
da história e foi traduzido para o português em
obras como “Crítica e crise: uma contribuição à A Liberdade
patogênese do mundo burguês”, publicado em 1999 guiando o povo
pela editora Contraponto em parceria com a editora (em francês: La
UERJ; “Futuro passado: contribuição à semântica dos Liberté guidant
tempos históricos” e “Estratos do tempo: estudos le peuple) é
sobre a história”, publicados em 2006 e 2014, uma pintura de
respectivamente, também pela editora Contraponto Eugène Delacroix
em parceria com a PUC Rio. em comemora-
ção à Revolução
2 Quem quiser saber mais, sugiro especialmente o
livro O Novo tempo do mundo: estudos sobre a era da Francesa de 1830,
emergência, publicado pela Editora Boitempo em 2014, com a queda de
que foi uma das principais inspirações para este texto. Carlos X
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 89