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ESPECIAL BICENTENÁRIO 2022
1822
buição de prestígio. Ainda que diante canidade no Brasil, da influência dos Essa mesma maneira de olhar o
de um modus operandi diverso daquele povos indígenas e da própria experiên- passado ainda predomina, tornan-
existente nas sociedades europeias, du- cia colonial enquanto forjadora de um do-se uma verdadeira amarra episte-
ques, marqueses, condes, viscondes e país. No processo de escrita de uma mológica. No imaginário popular, ao
demais títulos, comuns ao universo do História do Brasil nos marcos do Ins- falarmos de uma trajetória do Brasil,
Velho Mundo, foram transpostos para tituto Histórico e Geográfico (IHGB), narrativas paradoxalmente impopula-
esta parte das terras ameríndias, sendo o mito das três raças representou não res, isto é, individualizadas ou elitiza-
mais um elemento de fomento das de- somente uma forma de olhar o passa- das ainda predominam. Mesmo com a
sigualdades e constituidor de lugares do, mas uma verdadeira maneira de lei 10.639, a valorização do ensino de
sociais específicos. fazer o presente e aspirar a um tipo de História enquanto objeto de pesqui-
Mesmo em 2020, este distante pas- futuro, ao negar a condição de sujeito sa e reflexão, a ampliação no acesso à
sado se torna paradoxalmente vivo histórico dos explorados. educação e tantas outras medidas que
quando nos deparamos com as posi-
ções de prestígio e marcas de suposta Domínio público, Academia de Artes de Viena
autoridade em nossa sociedade. Ter-
mos como “doutor” e “doutora”, mes-
mo não sendo categorias nobiliárqui-
cas, fizeram e ainda fazem parte de um
imaginário popular cristalizado, nor-
malmente estando relacionado a um
tipo de tratamento destinado àque-
les e aquelas que, num determinado
meio, são considerados os notáveis in-
telectual ou politicamente. Entre uma
nobreza forjada e as permanências de
posições de proeminência na atualida-
de, observamos formas de produção e
reprodução de hierarquias, sustentadas
a partir de uma sociedade que tem a
desigualdade como um aspecto estru-
tural e estruturante desde os seus pri-
mórdios.
Ainda nos paralelos entre um on- A Rua Direita, principal artéria do Rio de Janeiro do período colonial. Gravura a lápis aquarelado
tem e um hoje, o desenvolvimento de Thomas Ender, 1817-1818
de uma civilização tropical nos revela
outra face dessa mesma tendência de A produção de uma Paris no Rio de Janeiro
negação da nossa trajetória e perma-
nência da segregação como um proje- das Cortes Imperiais era apenas uma peça de
to político de coesão das elites. A pro- um xadrez que convergia uma forte tentativa
dução de uma Paris no Rio de Janeiro de apagamento da africanidade no Brasil, da
das Cortes Imperiais era apenas uma
peça de um xadrez que convergia uma influência dos povos indígenas e da própria
forte tentativa de apagamento da afri- experiência colonial enquanto forjadora de um país
94 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020