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GRAMSCI E A RÚSSIA SOVIÉTICA | DOMENICO LOSURDO
2. A dissolução da Assembleia Constituinte
como “episódio de liberdade”
Poucas semanas depois de ter reverenciado a “revolução contra O
Capital”, em um artigo publicado em Il Grido del popolo de 26 de janeiro de
1918, Gramsci justifica a dissolução da Assembleia Constituinte deter-
minada pelos bolcheviques e pelos socialistas revolucionários. Trata-se
de uma medida que constitui “um episódio de liberdade apesar das for-
mas externas que fatalmente teve que assumir”, apesar “da aparência
violenta” .
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Como é notório, diferente e oposta foi a atitude assumida por
Rosa Luxemburgo que, polemizando com a viragem considerada au-
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toritária ou ditatorial da Revolução Russa, enalteceu a liberdade como
“liberdade de quem pensa de modo diferente”. Apesar de sua caracte-
rística eloquência, que a tornou famosa, essa tomada de posição não
é em nada convincente. Geralmente, as grandes revoluções provocam
um conflito entre a cidade e o campo. As massas urbanas protagonistas
da derrocada do Antigo regime e que suportaram o peso e os sacrifí-
cios da luta são muito pouco inclinadas a ceder o poder às massas do
campo, que desempenharam um papel secundário no processo revolu-
cionário e sobre as quais a influência do regime derrubado continua a
ser sentida.
É uma dialética que se manifesta na primeira revolução inglesa e
no ciclo revolucionário francês em seu conjunto. No que se refere a este
último, a vitória dos jacobinos é claramente a vitória da cidade, de Paris,
não apenas contra o campo católico e tradicionalista da Vendeia, mas
também contra as áreas da província representadas pelos girondinos.
Em 1848, ao contrário, é o campo que obtém a vitória: disso provém
uma reação que resulta na instauração da ditadura bonapartista. Mes-
mo em 1871, a derrota da Comuna de Paris parece pavimentar caminho
para a restauração bourbônica ou para uma desemancipação política
8 CF, p. 602-603.
9 LUXEMBURGO, 1968, p. 134.
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