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GRAMSCI E A RÚSSIA SOVIÉTICA | DOMENICO LOSURDO
de estadistas”, os quais, no entanto, são animados por uma teoria em
franca contradição com a sua práxis; é a práxis que se revela mais lúci-
da, mas para encontrar uma teoria à altura de tal práxis é preciso fazer
referência a Gramsci. Este argumenta do modo que vimos em Bloch ,
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o qual, no mesmo período, fica, como sabemos, na expectativa – com a
viragem iniciada com a Revolução de Outubro – não apenas da extinção
de “qualquer economia privada”, de qualquer “economia do dinheiro” e
da “moral mercantil que consagra tudo o que de pior existe no homem”,
mas também na expectativa da “transformação do poder em amor”.
Desde os seus primeiros textos, Gramsci revela uma visão mais
realista da sociedade pós-capitalista a ser construída e uma tendência
a desmessianizar o marxismo. Isso se confirma pelo apoio que ele de
imediato fornece à NEP, agindo em franca contratendência em relação
a uma leitura muito difundida tanto pela esquerda quanto pela direita,
que – embora com um julgamento de valor oposto – interpretava a vira-
gem que ocorreu na Rússia soviética como um retorno ao capitalismo.
4. Um fenômeno “nunca visto na história”
Encontramos a formulação teoricamente mais madura do discur-
so gramsciano sobre a Nova Política Econômica, na conhecida e polê-
mica carta ao PCUS de 14 de outubro de 1926: a realidade da URSS
nos coloca diante de um fenômeno “nunca visto na história”; uma
classe politicamente “dominante” vem “como um todo” a se encontrar
“em condições de vida abaixo de determinados elementos e estratos
da classe dominada e submissa”. As massas populares que continuam
sofrendo uma vida de privações ficam desnorteadas pelo espetáculo do
“nepman ascendente que tem à sua disposição todos os bens da terra”;
e, no entanto, isso não deve se constituir em motivo de escândalo ou de
repulsa, porque o proletariado, da mesma forma que não pode conquis-
tar o poder, também não pode mantê-lo se não é capaz de sacrificar in-
19 BLOCH, 1971, p. 298.
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