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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
de quem está bem satisfeito consigo mesmo (...). Trata-se, é verdade,
de trabalhar a elaboração de uma elite, mas esse trabalho não pode ser
separado do trabalho de educar as grandes massas; ou melhor, as duas
atividades são em realidade uma única atividade, e é precisamente isso
que torna difícil o problema (...); trata-se em suma de ter uma Reforma
e um Renascimento contemporaneamente”.
Em conclusão: “É evidente que não se compreende o processo
molecular de afirmação de uma nova civilização que se desenvolve no
mundo contemporâneo sem que se tenha compreendido o nexo históri-
co Reforma/Renascimento” .
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Chegamos aqui em um ponto crucial. Aos olhos de Gramsci, so-
mente um filisteu pode se admirar com o fato de que o novo sistema
– em seu trabalhoso vir à luz e tomar forma – não pode assumir a con-
figuração lapidada do mundo que pretende destruir, e que pode contar,
por trás de si, com séculos de experiência na gestão do poder. Basta
comparar Humanismo/Renascimento, de um lado, e Reforma, de outro,
ou, em termos de tipo ideal, Erasmo e Lutero.
Apesar da rigidez camponesa com a qual inicialmente se apresen-
tam, são a Reforma e Lutero que lançam as bases para a liquidação do
Antigo regime e o advento de uma civilização nova e mais avançada e
com uma base social bem mais ampla.
É uma atitude similar que precisa ser tomada em relação ao
fato histórico iniciado em Outubro de 1917: “Se devesse ser feito um
estudo sobre a União [Soviética], o primeiro capítulo, ou mesmo a
primeira parte do livro, deveria justamente desenvolver o material
reunido sob esta rubrica ‘Reforma e Renascimento’” . Longe de cons-
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tituir censura com relação aos escritos anteriores, os Cadernos do Cárcere
são, em primeiro lugar, um balanço histórico-teórico do extenuante e
contraditório processo de construção da “nova ordem”.
Um abismo separa do Diamat (o “materialismo dialético”, da
União Soviética da época) o pensamento crítico de Gramsci que, de um
33 Q, p. 891-892 e 2.763.
34 IDEM, p. 893.
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