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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


                São os anos em que a crítica ao “americanismo” se manifesta em
           autores e círculos de orientação entre si bem diferentes. Em sua visita
           ao país dos sovietes, entre setembro de 1926 e janeiro de 1927, o grande
           escritor austríaco Joseph Roth denuncia a “americanização” em curso:
           “A América é desprezada enquanto grande capitalismo sem alma, o país
           onde o ouro é Deus. Mas a América é admirada enquanto progresso, o
           ferro elétrico, a higiene e os aquedutos”. Em conclusão: “Esta é uma
           Rússia moderna, que progrediu tecnicamente, com ambições america-
           nas. Esta não é mais a Rússia”. Irrompeu o “vazio espiritual” até mesmo
           em um país que inicialmente havia gerado tantas esperanças . Deve-se,
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           enfim, ter em mente Martin Heidegger que, em 1935, acusa os Estados
           Unidos e a União Soviética (e o movimento comunista) de conceberem,
           do ponto de vista metafísico, o mesmo princípio, baseado no “infame
           poder da técnica desencadeada” e na “massificação do homem”. E, al-
           guns anos depois, em 1942: “O bolchevismo é apenas uma variante do
           americanismo” .
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                É um debate no qual se vê participarem também os dirigentes
           soviéticos, os quais nesse momento tomaram o caminho que gerou a
           desilusão ou a perplexidade dos populistas. Em 1923, Bukharin declara:
           “Precisamos juntar o americanismo e o marxismo”. Um ano depois, a
           esse país – mesmo que tenha participado da intervenção armada contra
           a Rússia – Stálin parece olhar com tanta simpatia a ponto de transmi-
           tir aos quadros bolcheviques um significativo apelo: se querem real-
           mente estar à altura dos “princípios do leninismo” devem saber unir “o
           impulso revolucionário russo” ao “espírito prático americano”. Como
           esclarece Stálin em 1932: os Estados Unidos são certamente um país
           capitalista; no entanto, “as tradições na indústria e na práxis produtiva
           possuem algo do democratismo, o que não se pode dizer dos velhos
           países capitalistas da Europa, onde ainda está vivo o espírito senhoril da
           aristocracia feudal” .
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           42  Cf. LOSURDO, 2013, cap. VII, § 3.
           43  HEIDEGGER, 1975, vol. 40, p. 40-41 e vol. 53, p. 86.
           44  In: LOSURDO, 2007, cap. III, § 2.


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