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GRAMSCI E A RÚSSIA SOVIÉTICA | DOMENICO LOSURDO


                     A bem da verdade, a visão que ele expressa é unilateral: se, na
               comparação com a Europa, a República norte-americana mostra-se mais
               democrática no que se refere à relação entre as classes sociais, o resul-
               tado se inverte se levamos em consideração as relações entre brancos e
               negros (em sua maioria inseridos nos segmentos inferiores do mercado
               de trabalho e, mesmo nos EUA de Franklin Delano Roosevelt, privados
               não apenas dos direitos políticos, mas frequentemente também dos di-
               reitos civis). Restam estabelecidos dois pontos: em Bukharin e Stálin,
               “americanismo” e “espírito prático americano” significam desenvolvi-
               mento em larga escala das forças produtivas e da grande indústria, um
               desenvolvimento tornado possível devido à ausência da riqueza parasi-
               tária que é herança do Antigo Regime; tal “americanismo” e o “espíri-
               to prático americano” até mesmo a Rússia soviética deve compreender,
               empenhada em sair do atraso e em construir o socialismo.
                     Uma vez reconstruído o contexto histórico, podemos fazer a leitu-
               ra dos textos. Ao apreciar o “americanismo” (ou alguns de seus aspec-
               tos), Gramsci é plenamente coerente com a sua recusa – expressa já no
               momento em que reverencia a Revolução de Outubro – em identificar o
               socialismo com o “coletivismo da miséria, do sofrimento”. Os próprios
               Cadernos do Cárcere ressaltam a continuidade do período juvenil, quando
               apontam que já L’Ordine Nuovo (...) sustentava algum ‘americanismo’” .
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               Leiamos novamente então esse órgão de imprensa, concentrando-nos
               em algumas declarações de julho-agosto de 1920: tarefas fundamentais
               do Conselho de Fábrica, do qual “o operário começa a fazer parte como
               produtor”, são “o controle da produção” e “a elaboração de planos de
               trabalho” . Mas como cumprir tais tarefas?
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                                “Em uma fábrica, os operários são produtores quando
                                colaboram –, classificados em um modo determinado
                                exatamente pela técnica industrial que (num certo
                                sentido) é independente do modo de apropriação dos
               45  Q, p. 72.
               46  ON, p. 622 e 607-608.

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