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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
que se prepara a abandonar a tradição comunista, mas um Gramsci que
chama o movimento comunista a rejeitar de uma vez por todas as nos-
talgias pré-industriais de cunho populista e pauperista e a se pronunciar
por um marxismo livre de qualquer vestígio messiânico. É também por
isso que os Cadernos do Cárcere mantêm ainda hoje uma extraordinária
vitalidade. Alguns processos ideológicos merecem particular atenção:
1) O extraordinário sucesso do qual desfrutou, e ainda desfruta, na
esquerda ocidental, um filósofo como Heidegger, defensor de um anti-
-industrialismo e de um antiamericanismo (que é ao mesmo tempo um
antissovietismo), por Gramsci considerados “cômicos” e “estúpidos”.
2) Era muito difundida na esquerda, sobretudo na temporada de
1968, a tendência que entendia o pensamento de Gramsci como sinôni-
mo de subordinação ao produtivismo capitalista, do mesmo modo que,
três décadas antes, Simone Weil havia tachado Marx de profeta de uma
“religião das forças produtivas” fundamentalmente burguesas.
3) Nos dias atuais, enquanto da França – apesar da crise e da
recessão – difunde-se o culto ao “decrescimento” tão querido de Serge
Latouche , em um país como a Itália a esquerda denominada radical
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parece às vezes contestar a alta velocidade enquanto tal. Investigar de
quando em quando o impacto ecológico e o custo econômico de uma li-
nha ferroviária são legítimos e até necessários; é, ao contrário, sinônimo
de ludismo rechaçar a alta velocidade enquanto tal.
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4) Enquanto mistifica o Tibete lamaísta, a esquerda ocidental vê
com grande desconfiança, ou com franca hostilidade, um país como a
República Popular da China, nascida de uma grande revolução anticolo-
nial e protagonista de um prodigioso desenvolvimento econômico, que
não apenas retirou várias centenas de milhões da miséria e da ruína,
mas também finalmente começa a colocar em discussão o monopólio
ocidental da tecnologia (e, portanto, as bases materiais da arrogância
imperialista). E como os populistas dos anos 1920 e 1930 reprovavam
63 A expressão “décroissance” (=decrescimento), forjada no início do milênio, designa o projeto utópico-ecológico
defendido pelo professor francês Serge Latouche. (NE)
64 O termo “ludismo” designa um movimento de trabalhadores ingleses que no início da Revolução Industrial
destruíam as novas máquinas porque elas iriam suprimir empregos.
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