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GRAMSCI E A RÚSSIA SOVIÉTICA | DOMENICO LOSURDO
tico, tudo contribui para refutar a tese, hoje muito difundida, da ruptura
final de Gramsci com a URSS e o movimento comunista.
Certamente, a clara tomada de posição em favor da Rússia sovié-
tica em Gramsci nunca acaba em trivial apologética e em autoengano.
Estamos diante de uma atitude crítica no sentido mais elevado do ter-
mo que, bem longe de ser sinônimo de frieza e distância, é expressão de
ansiosa preocupação e profundamente simpática com a qual é seguido
o fato que surgiu do Outubro bolchevique. Um exemplo pode lançar
luz sobre o tipo de abordagem preferida por Gramsci. Nos anos 1930, o
tema dos dois totalitarismos se difunde a ponto de fazer eco em Trotsky
e em Bukharin, os quais colocam lado a lado, sob a categoria de “regime
totalitário” (ou de “ditadura totalitária”) e de “Estado total onipoten-
te”, a URSS staliniana e a Alemanha hitleriana . Mas não é assim nos
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Cadernos do Cárcere que, certamente, contestam a autoimagem da URSS
como “ditadura do proletariado”, ou como “democracia autêntica”, fa-
lando, ao contrário, em “cesarismo”, mas com a preocupação de distin-
guir o cesarismo “progressivo” do “regressivo”, encarnado no século XX
por Mussolini e por Hitler .
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Em outras palavras, a crítica de Gramsci não resulta nunca no
“puro derrotismo” que os Cadernos do Cárcere condenam em Boris Souva-
rine. Este, dirigente do primeiro escalão do Partido Comunista Francês
e da III Internacional, e depois crítico cada vez mais virulento do bol-
chevismo e da Rússia soviética, a partir de 1930 começa a publicar o seu
requisitório em A Crítica Social. Gramsci segue com atenção essa revista,
da qual reprova a incapacidade de compreender a trágica dificuldade do
processo de construção de um novo sistema social. Aos olhos consterna-
dos de Furet , Souvarine “pertence àquela categoria de intelectuais que
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demonstram uma alegria sarcástica de ter razão contra o maior número
de pessoas”. É precisamente esse o alvo dos Cadernos do Cárcere: o pedan-
tismo: “Lugares-comuns de modo abundante, ditos com a cara de pau
30 LOSURDO, 2008, p. 17-20 e cap. 2, p. 88-92 e 76-81.
31 Q, p. 1.194.
32 FURET, 1995, p. 133.
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