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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           surgisse o dinheiro, não ressurgiriam também os ricos? Não nos en-
           contrávamos em um terreno escorregadio que nos levava de volta ao
           capitalismo?” .
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                As causas da catástrofe da guerra eram a corrida pela conquista
           das colônias, dos mercados e das matérias-primas, a busca de lucro, em
           última análise a auri sacra fames (maldita fome de ouro), e, portanto, o
           “comunismo de guerra” não era apenas sinônimo de justiça social, mas
           também era a garantia de que não mais se verificariam tragédias desse
           gênero. Era um clima que certamente não se restringia à Rússia. Em
           1918, o jovem Ernst Bloch  tinha como expectativa, na onda da Revo-
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           lução de Outubro, o advento de um mundo de uma vez por todas livre
           de “qualquer economia privada”, de qualquer “economia monetária” e,
           com isso, da “moral mercantil que consagra tudo o que de pior existe no
           homem”.
                Segundo o Manifesto do Partido Comunista, os “primeiros movimentos
           do proletariado” são frequentemente caracterizados por reivindicações em
           nome de “um ascetismo universal e um tosco igualitarismo”; de outro
           lado, não há “nada mais fácil do que dar ao ascetismo cristão uma mão
           de verniz socialista” . É exatamente o que ocorre na Rússia revolucionária.
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           No entanto, convém logo acrescentar que o fenômeno tão eficazmente
           descrito por Marx e Engels possui uma extensão temporal e especial bem
           superior àquela por eles sugerida. Ainda no século XX, e inclusive no âm-
           bito dos movimentos que adotam o materialismo histórico e o ateísmo,
           encontramos confirmada a regra pela qual as grandes revoluções popu-
           lares, os levantes de massa das classes subalternas tendem a estimular
           um populismo espontâneo e ingênuo que, ignorando totalmente o proble-
           ma do desenvolvimento das forças produtivas, tem como expectativa, ou
           enaltece, a redenção daqueles que ocupam o último degrau da hierarquia
           social, a redenção dos pobres e dos “pobres em espírito”. Gramsci se torna
           alheio a essa tendência já em seus primeiros escritos.

           5  In: FIGES, 2000, p. 926.
           6  BLOCH, 1971, p. 298.
           7  MARX; ENGELS. MEW, 4, 1955-1989, p. 489 e 484.

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