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GRAMSCI E A RÚSSIA SOVIÉTICA | DOMENICO LOSURDO


                                orações dominicais e o Magnificat: os poderosos der-
                                rubados do trono e o pobre resgatado da miséria (...).
                                Os ricos não existem mais: apenas pobres e paupér-
                                rimos. O saber não confere nem privilégio e nem res-
                                peito. O ex-operário promovido diretor dá ordens aos
                                engenheiros. Altos e baixos salários se aproximam. O
                                direito de propriedade é reduzido a efeitos pessoais” .
                                                                                 3

                     Longe de ter de ser superada “no menor tempo possível”, a situa-
               ção na qual há “apenas pobres e paupérrimos” – ou, na linguagem de
               Gramsci, o “coletivismo da miséria, do sofrimento” – torna-se sinôni-
               mo de plenitude espiritual e de rigor moral. É verdade, Pascal era um
               católico fervoroso, mas isso não significa que os bolcheviques fossem
               imunes a essa visão que traz a marca do populismo e do pauperismo. De
               fato, pode-se perguntar aqui se não haveria traços de populismo e pau-
               perismo na definição que transfigura em “comunismo” e até mesmo em
               “comunismo de guerra”, um regime marcado pelo colapso da economia
               (às vezes com o retorno ao escambo) e em certos momentos pela requi-
               sição forçada dos alimentos necessários à sobrevivência da população
               urbana; um regime que Gramsci corretamente define como “coletivis-
               mo da miséria, do sofrimento”. Em 1936-1937, foi Trotsky  que lembrou
                                                                     4
               criticamente “as tendências austeras da época da guerra civil”, difundi-
               das entre os comunistas, cujo ideal parecia ser a “miséria socializada”. É
               uma fórmula que leva a pensar na de Gramsci, mas que é a ela posterior
               quase vinte anos.
                     Quem descreve de um modo mais eficaz, nos anos 1940, o clima
               espiritual dominante no período imediatamente depois da Revolução
               de Outubro é um militante de base do Partido Comunista da União
               Soviética: “Todos nós jovens comunistas crescemos acreditando que
               o dinheiro tinha sido eliminado de uma vez por todas [...]. Se res-

               3  In: FURET, 1995, p. 129.
               4  TROTSKY, 1988, p. 854 e 838.


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