Page 101 - Fernando Pessoa
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                           Não era isto, porém, que eu queria dizer. Entre a minha
                       observação do transeunte que, afinal, perdi logo de vista,  por
                       não ter continuado a olhá-lo,  e o nexo destas observações  in-
                       seriu-se-me qualquer mistério da desatenção,  qualquer emer-
                       gência  da  alma  que  me  deixou  sem  prosseguimento.  E  ao
                       fundo  da  minha  desconexão,  sem  que  eu  os  ouça,  ouço  os
                       sons das falas dos moços da embalagem, lá no  fundo do escri-
                       tório, na parte que é o princípio do armazém,  e vejo sem ver
                       os  cordéis  enfardadores  das  encomendas  postais,  passados
                       duas vezes, com os nós  duas  vezes corridos,  à  roda  dos  em-
                       brulhos em papel  pardo forte,  na mesa  ao pé da janela para o
                       saguão, entre piadas e tesouras.
                           Ver éter visto.





                           Passo horas,  às vezes,  no  Terreiro  do Paço,  à  beira  do
                       rio,  meditando  em  vão.  A  minha  impaciência  constante-
                       mente  me  quer  arrancar  desse  sossego,  e  a  minha  inércia
                       constantemente  me  detém  nele.  Medito,  então,  em  uma
                       modorra de físico,  que se parece com volúpia  apenas como o
                       sussurro de vento lembra vozes, na eterna insaciabilidade dos
                       meus  desejos vagos,  na  perene  instabilidade  das  minhas  ân-
                       sias  impossíveis.  Sofro, principalmente,  do mal de  poder  so-
                       frer.  Falta-me qualquer  coisa que  não  desejo e  sofro  por  isso
                       não  ser propriamente  sofrer.
                           O cais,  a tarde,  a  maresia  entram  todos,  e entram  jun-
                       tos, na composição da minha angústia.  As flautas dos pasto-
                       res  impossíveis  não  são  mais  suaves  do  que  não  haver  aqui
                       flautas e isso lembrar-mas.
                           Os  idílios  longínquos,  ao  pé de  riachos,  doem-me  esta
                       hora  análoga  por dentro,  (...)
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