Page 133 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA

                         sobre mim.  E nada de  mim  seria real.  Mas  teria  tudo  uma
                         lógica soberba, séria, seria tudo segundo um ritmo de volup-
                         tuosa  falsidade,  passando  tudo  numa  cidade  feita  da  minha
                         alma,  perdida  até [ao]  cais  à  beira  de  um  comboio  calmo,
                         muito  longe dentro de  mim,  muito  longe...  E  tudo  nítido,
                         inevitável, como na vida exterior, mas, estética de Morte [ ?]
                         do Sol.





                             Busco-me e não me encontro.  Pertenço a horas crisân-
                         temos, nítidas em alongamentos de jarros. Devo fazer da mi-
                         nha alma uma coisa decorativa.
                             Não sei que detalhes demasiadamente pomposos e esco-
                         lhidos definem o feitio do meu espírito. O meu amor ao orna-
                         mental  é,  sem  dúvida,  porque  sinto  nele  qualquer  coisa  de
                         idêntico à substância da minha alma.





                             Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do
                         meu coração. Vale mais para mim um adjetivo que um pran-
                         to [ ?]  real da alma. O meu mestre Vieira [...]


                             Mas às vezes sou  diferente, e tenho lágrimas,  lágrimas
                         das  quentes,  dos  que  não  têm  nem  tiveram  mãe;  e  meus
                         olhos  que  ardem  dessas  lágrimas  mortas,  ardem  dentro  do
                         meu coração.

                             Não me lembro da minha mãe.  Ela morreu tinha eu um
                         ano.  Tudo o  que há de disperso e  duro  na  minha  sensibili-
                         dade,  vem  da  ausência  desse  calor  e  da  saudade  inútil  dos
                         beijos  de  que  me  não lembro.  Sou postiço.  Acordei  sempre
                         contra seios outros, acalentado por desvio.
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