Page 129 - Fernando Pessoa
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                            Abrigaram-me as suas casas, as suas  mãos apertaram a
                       minha, viram-me passar na rua como se eu lá estivesse;  mas
                       quem  sou não  esteve nunca naquelas  salas,  quem  vivo  não
                       tem  mãos  que outros  apertem,  quem  me  conheço  não  tem
                       ruas por onde passe, a não ser que sejam todas as ruas, nem
                       que  nelas  o  veja,  a  não  ser  que  ele  mesmo  seja  todos  os
                       outros.

                            Vivemos todos longínquos e anônimos; disfarçados, so-
                       fremos  desconhecidos.  A  uns,  porém,  esta  distância  entre
                       um  ser e ele  mesmo  nunca  se  revela;  para  outros  é  de  vez
                       em  quando  iluminada,  de horror  ou  de  mágoa,  por  um  re-
                       lâmpago sem limites; mas para outros ainda é essa a dolorosa
                       constância e quotidianidade da vida.


                            Saber  bem  que  quem  somos não é conosco,  que o  que
                       pensamos  ou  sentimos  é  sempre  uma  tradução,  que  o  que
                       queremos o não quisemos, nem porventura alguém o quis —
                       saber tudo isto a cada minuto, sentir tudo isto em cada senti-
                       mento, não será isto ser estrangeiro na própria alma, exilado
                       nas próprias sensações?

                            Mas a máscara,  que estive  fitando  inerte,  que  falava  à
                       esquina com  um  homem sem máscara nesta noite  de  fim  de
                       Carnaval,  por  fim  estendeu  a  mão  e  se  despediu  rindo.  O
                       homem   natural  seguiu  à  esquerda,  pela  travessa  a  cuja  es-
                       quina estava. A máscara — dominó sem graça — caminhou
                       em  frente,  afastando-se  entre  sombras  e  acasos  de  luzes,
                       numa  despedida  definitiva  e  alheia  ao  que  eu  estava  pen-
                       sando.  Só então reparei  que havia  mais  na  rua  que  os  can-
                       deeiros  acesos,  e,  a turvar onde eles  não  estavam,  um  luar
                       vago, oculto, mudo, cheio de nada como a vida...
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