Page 168 - Fernando Pessoa
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O  que há de mais reles nos sonhos é que todos os têm.
           Em  qualquer  coisa  pensa  no  escuro  o  moço  de  fretes  que
           modorra de dia contra o candeeiro o intervalo  dos carretos.
           Sei em  que entrepensa:  é no mesmo em  que  eu  me  abismo
           entre lançamento e lançamento no tédio estivai do escritório
           quietíssimo.




               Tenho  mais  pena  dos  que  sonham  o  provável,  o  legí-
           timo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longín-
           quo e o estranho. Os que sonham grandemente,  ou são doi-
           dos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devanea-
           dores simples, para quem o devaneio é uma música da alma,
           que os embala sem lhes dizer nada.  Mas o que sonha o pos-
           sível  tem  a  possibilidade  real  da  verdadeira  desilusão.  Não
           me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano,
           mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que,
           cerca  das  nove horas,  volta sempre  à  esquina  da  direita.  O
           sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele,
           mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a
           própria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo e
           independente;  o  outro  submisso  das  contingências  do  que
           acontece.


               Por isso amo as paisagens impossíveis e as grandes áreas
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