Page 295 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Pela primeira vez desde que o conhecia, ela viu Hagen zangado. Ele respondeu asperamente:
— Isso foi a bobagem mais infantil que já ouvi na minha vida, Não esperava isso de uma
mulher como você. Vamos, Kay.
— Está bem — disse ela.
Eles caminhavam pela estrada de campo verde. Hagen perguntou calmamente:
— Por que você fugiu?
— Porque Michael mentiu para mim — respondeu Kay. — Porque me fez de boba, quando
serviu de padrinho para o filho de Connie. Ele me traiu. Não posso amar um homem como ele.
Não posso deixar que ele seja o pai de me filhos.
— Não sei de que você está falando — retrucou Hagen.
Ela virou-se para ele com uma fúria agora justificada.
— Quero dizer que ele matou o marido da irmã. Você compreende isto? — Fez uma pausa e
arrematou: — E ele mentiu para mim!
Continuaram a andar por um longo tempo em silêncio. Finalmente Hagen falou:
— Você não tem meios de saber realmente se tudo isso é verdade. Mas, apenas como
argumento, vamos admitir que seja verdade. Não estou dizendo que seja, lembre-se. Mas e se eu
lhe desse o que poderia ser uma justificação para o que ele fez? Ou, antes, algumas justificações
possíveis?
Kay olhou para ele desdenhosamente.
— É a primeira vez que vejo o seu lado de advogado, Tom. Não é o seu melhor lado.
Hagen arreganhou os dentes.
— Está bem. Mas quero que você me ouça. E se Carlo pôs Sonny na alça de mira, se deu a
sua pista? Se Carlo bateu em Connie daquela vez apenas com o propósito deliberado de fazer
Sonny sair de casa e expor-se ao perigo, pois eles sabiam que ele tomaria o caminho da pista
elevada da Jones Beach? Se Carlo tivesse sido pago para ajudar a matar Sonny? Então, que é que
você diz? — Ela não respondeu. Hagen prosseguiu: — E se o don, o grande homem não se
sentisse com coragem bastante para fazer o que devia, vingar a morte do filho, matando o
marido de sua filha? E se, finalmente, ele fez de Michael seu sucessor, sabendo que Michael
tiraria esse peso de seus ombros, ficaria com essa culpa?
— Tudo já tinha passado — respondeu Kay, as lágrimas correndo-lhe dos olhos. — Todos
estavam felizes. Por que Carlo não podia ser perdoado? Por que tudo não podia continuar, e todo
mundo esquecer?
Eles atravessaram uma campina e chegaram a um riacho à sombra de uma árvore. Hagen
caiu na grama e deu um suspiro. Olhou em volta, deu outro suspiro e disse:
— Neste mundo você poderia fazer isso.
— Ele não é o homem com quem casei — retrucou Kay.
Hagen deu uma pequena gargalhada e replicou:
— Se ele fosse, estaria morto agora. Você seria uma viúva.
— Que diabo quer dizer isso? — retrucou Kay furiosamente. — Vamos, Tom, fale
claramente pelo menos uma vez na vida. Sei que Michael não pode, mas você não é siciliano,
você pode dizer a verdade a uma mulher, pode tratá-la como um ser igual, como um ser humano
semelhante a você.
Houve outro longo silêncio. Hagen balançou a cabeça.
— Você está interpretando Mike mal. Está danada porque ele mentiu para você. Bem, ele a
avisou para nunca lhe fazer perguntas sobre negócios. Você ficou danada porque ele foi padrinho
do filho de Carlo. Mas foi você quem o fez ser padrinho. Na verdade, era a coisa certa a fazer, se
ele queria tomar atitude contra Carlo. O gesto tático clássico para adquirir a confiança da vítima.
— Hagen deu um sorriso horrendo e perguntou: — Isso é falar bem claramente para você? —
Mas Kay baixara a cabeça.
— Vou-lhe dar mais um pouco de conversa clara — prosseguiu Hagen. — Depois que o Don