Page 294 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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extremidade superior de sua meia de nylon.
    — Não faça isso — pediu ela. — Vou fazer comunhão.
    Ele não procurou segurá-la, quando ela se levantou da cama. Michael perguntou então com
  um leve sorriso nos lábios:
    — Se você é uma católica tão fervorosa, por que é que deixa os meninos se esquivarem tanto
  de ir à igreja?
    Ela não gostou da pergunta, mas foi bastante cautelosa. Ele a estava estudando com o que ela
  pensava ser o olho “do Don”.
    — Eles têm bastante tempo — respondeu ela. — Quando voltarmos para casa, eu os farei
  freqüentar mais.
    Kay deu-lhe um beijo de despedida antes de partir. Fora da casa, o ar já estava esquentando.
  O sol de verão levantando-se no nascente era vermelho. Kay andou até onde o seu carro estava
  estacionado perto dos portões da alameda. A Sra. Corleone, trajando o seu vestido preto de viúva,
  já estava sentada no carro, esperando por ela. Tornara-se uma verdadeira rotina a missa todas as
  manhãs, juntas.
    Kay  beijou  a  face  enrugada  da  sogra,  depois  sentou-se  atrás  do  volante.  A  sra.  Corleone
  perguntou, desconfiada:
    — Você tomou o seu desjejum?
    — Não — respondeu Kay.
    A sra. Corleone acenou com a cabeça, aprovando. Kay uma vez se esquecera de que era
  proibido ingerir qualquer alimento a partir da meia-noite antes de receber a santa comunhão. Isso
  fora há muito tempo, mas a sra. Corleone nunca mais confiara nela depois disso e sempre pedia
  confirmação.
    — Você se sente bem? — perguntou a sra. Corleone.
    — Sinto-me — respondeu Kay.
    A igreja era pequena e estava deserta à luz do sol matinal. Seus vitrais protegiam o interior
  contra o calor; era fresco ali, um lugar de descanso. Kay ajudou a sogra a subir os degraus de
  pedra branca e deixou-a ir na frente. A velha senhora pre feria um banco lá na frente, perto do
  altar.  Kay  esperou  na  escadaria  durante  um  minuto.  Sempre  se  sentia  relutante  nesse  último
  momento, sempre se sentia um pouco temerosa.
    Finalmente, entrou na escutidão fresca da igreja. Molhou as pontas dos dedos na água benta e
  fez  o  sinal-da-cruz,  tocando  ligeiramente  com  os  dedos  úmidos  seus  lábios  ressequidos.  Velas
  tremulavam, com uma luz vermelha diante das imagens dos santos, com o Cristo na cruz. Kay
  fez uma genuflexão antes de entrar na sua fileira, depois ajoelhou-s na grade de madeira dura do
  banco para esperar que fosse chamada para a comunhão. Baixou a cabeça como se estivesse
  rezando, mas não estava exatamente pronta para isso.
    Era apenas ali, na penumbra da igreja, que ela se permitia pensar na outra vida do marido.
  Naquela terrível noite, há um ano passado, ele premeditadamente usara a confiança e o amor
  que um tinha pelo outro para fazê-la acreditar na mentira de que ele não matara o marido da
  irmã.
    Kay o deixara por causa daquela mentira, não por causa do ato em si. Na manhã seguinte,
  ela levara os filhos para a casa dos pais em New Hampshire. Sem dizer uma palavra a ninguém,
  sem saber realmente que atitude iria tomar. Michael compreendera imediatamente. Telefonara-
  lhe no primeiro dia, e depois deixara-a em paz. Uma semana depois, a limusine de Nova York
  parou em frente à casa dela, trazendo Tom Hagen.
    Kay passou uma longa e terrível tarde com Tom Hagen, a tarde mais terrível de toda a sua
  vida. Foram dar uma volta nos bosques fora de sua cidadezinha, e Hagen não foi nada gentil.
    Ela cometeu o erro de tentar ser cruelmente petulante, um papel que não lhe assentava bem.
    — Será que Mike mandou você aqui para me ameaçar? — perguntou ela. — Eu esperava
  ver alguns dos “rapazes” saltarem do carro com suas metralhadoras para me fazer voltar.
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