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população, considerada  “perigosa” em sua essência,
            eram alvos do projeto de limpeza higienista.

            Segundo os projetos higienistas, as classes pobres e
            “viciosas” deviam ser afastadas dos centros urbanos das
            grandes cidades, pois eram um perigo para a sociedade
            por causa de sua aglomeração e “promiscuidade”, sua
            “propensão para o crime” e sua falta de higiene. Em
            Salvador, quando se constatava que essa população
            estava habitando uma freguesia central como a Sé,
            outrora uma freguesia de elite, a preocupação ganhava
            novas dimensões. Era preciso ficar de olho nos cortiços!

            Assim, em seu relatório sobre esgotamento para a
            cidade, Teodoro Sampaio (1906) refere-se aos espaços
            ocupados por essas classes:

                Pode alguém considerar saudável uma parte
                                                             Até o início do século XIX, as crônicas e relatos de viajantes
                tão considerável da cidade, como por exemplo
                                                             estrangeiros informam que a freguesia da Conceição da   Cena cotidiana do
                a  freguesia  da  Sé,  com  as  suas  edificações
                                                             Praia era o local de abrigo da população pobre e de cor   centro da cidade:
                velhíssimas, os seus feios sobrados em forma de                                                “águas servidas”
                                                             da cidade. Ali estava o grosso do trabalho de ganho e do   jogadas nas ruas
                caixão, com escassas aberturas para o ar e para a
                                                             comércio, e por isso concentrava trabalhadores dormindo   (Sampaio, 2005,
                luz nos pavimentos superiores, e exibindo no rês do                                            p. 128).
                                                             nas lojas e porões dos estabelecimentos comerciais,
                chão essas horrendas espeluncas, mais baixas de
                                                             ainda que alguns, inclusive escravos, trabalhassem na
                que a rua, onde pulula uma população promíscua,
                                                             parte baixa, mas vivessem na Sé. Em pequeno número,
                empobrecida no moral como no organismo,
                                                             a presença dessa população era aceitável, pois podia ser
                devorada pela tísica,  arruinada pela sífilis  e
                                                             controlada pelos senhores e autoridades. Mas a cidade
                perseguida pela miséria?  (grifo nosso).
                                    2
                                                             alta, reduto das camadas abastadas, começava a perder
                                                             esse perfil, abrigando cada vez mais as “classes perigosas”.
             2   Arquivo Público Municipal de Salvador, Fundação   Uma realidade que passava a tirar o sono da elite e da
             Gregório de Mattos (doravante APMS). Fundo intendência,
             série processos, seção de água e esgoto do município,   administração pública.
             1893-1922. Relatórios dos esgotos projetados para o 2º
             distrito da cidade da Bahia, apresentados à intendência   Para a corte de fins do século XIX, Sidney Chalhoub
             municipal pela firma contratante Teodoro Sampaio & Paes   (1996, p. 20-45) argumenta que as medidas higienistas
             Leme, 1906.
             Observação: as citações aqui transcritas tiveram a grafia   e as políticas públicas de urbanização visavam antes de   57
             atualizada, quando necessário, para facilitar a leitura.  tudo livrar os centros urbanos das chamadas “classes





            Programa monumenta – IPhan
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