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UMA VISÃO HISTÓRICA DA ÁREA DO PROJETO
portugueses. Em 1831 as revoltas mata-marotos da Praia. E pretendiam chegar ao Recôncavo, onde se
eclodiram em Salvador. Civis armados ocuparam o forte uniriam aos escravos dos engenhos. Esses africanos de
do Barbalho e exigiram a retirada dos portugueses da religião islâmica prepararam de forma surpreendente
cidade, algo que vinha ocorrendo desde 1823 por conta uma rebelião que, se vitoriosa, mudaria de uma vez
do processo de independência brasileira. Os rebeldes por todas as feições da cidade de Salvador. A revolta foi
saquearam depósitos de armas e destruíram o comércio delatada, e jamais saberemos como seria um califado
como protesto contra a carestia. O desemprego em baiano. Mas sabemos que nunca houve uma revolta tão
muitos setores considerados seguros, como o militar, ousada, principalmente por ser gestada em pleno centro
deu o toque final ao cenário das revoltas populares da cidade de Salvador, na freguesia da Sé, debaixo dos
do século XIX. Em 1824 motins militares, como o do olhos do governo provincial (Reis, 2003) .
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Batalhão dos Periquitos, provocaram a fuga de várias
famílias da capital para o Recôncavo. Escravos e libertos
participaram lado a lado com os soldados nesses motins. O centro de Salvador
Ao longo da primeira metade do século, os escravos da A cidade de Salvador contava no século XIX dez
Bahia, reputados como rebeldes, deixaram os senhores em freguesias urbanas. A freguesia da Sé, seu primitivo
estado constante de insegurança e medo da “onda negra” núcleo, foi criada em 1552 por D. Pero Fernandes
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(Azevedo, 1987) . Embora frequentes em outros tempos Sardinha . Chamamos a atenção para o fato de a Sé
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sob forma de constituição de quilombos, as rebeliões se abranger a área do Projeto Pelourinho e, portanto,
multiplicaram a partir do início do século XIX. A ideologia ser objeto de estudo no presente capítulo. Centro do
de religiões e as práticas culturais africanas favoreciam governo administrativo, legislativo, judiciário e religioso
uma identidade étnica. Porém, em várias ocasiões os da província, a Sé concentrava belos e majestosos
rebeldes tiveram seus planos frustrados e não passaram
7 Sobre a revolta dos malês, ver REIS, João José. Rebelião
da fase conspirativa. Mas essa insubmissão permanente escrava no Brasil. A história do levante dos malês (1835). São
criou uma tradição de audácia que impregnaria as Paulo: Companhia das Letras, 2003.
relações escravistas na Bahia nesse período. 8 A Sé começava nas portas de São Bento, estendendo-
se até o beco do Ferrão, onde se delimitava com a
A rebelião dos escravos malês – ocorrida no centro da freguesia do Passo. Distava de norte a sul um quarto
de légua, e de leste a oeste 150 braças. Situava-se na
cidade, em 1835 – foi o maior exemplo do alcance e da orla da montanha, onde se dividia com a freguesia de
força dessa tradição. Os escravos e libertos africanos, Nossa Senhora da Conceição da Praia, pela ladeira da
nagôs e haussás em sua maioria, percorreram as ruas Misericórdia, até as últimas casas dos ferreiros, e pela
ladeira do Palácio, ou atrás do palácio, até a última casa do
das freguesias da Sé, São Pedro, Vitória e Conceição lado do mar. Na parte interior, limitava-se com a freguesia
de Santana pela rua da Vala, pela ladeira do Gravatá, no fim
6 Onda negra: expressão utilizada por AZEVEDO, Célia da rua de São Miguel e no término da ladeira que descia
Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. O negro no pelo canto do Seminário, em direção ao bairro da Saúde.
62 imaginário das elites: século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Limitava-se com São Pedro Velho na ladeira das Hortas e
1987. nas portas de São Bento.
ArqueologiA no Pelourinho