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UMA VISÃO HISTÓRICA DA ÁREA DO PROJETO
sobrados com lojas para renda tinham portas no andar A população da Sé
térreo, e uma delas, distinta, mais ornada que as demais,
Durante a primeira metade do século XIX, na
servia de entrada para os andares do sobrado. Se este
composição da população da Sé, pelo que se constata
fosse dividido em vários fogos, essa porta levava aos
em documentos referentes a cinco quarteirões, a elite
vários andares com entradas independentes. Quando o
passou a ser substituída por pessoas de camadas
sobrado era morada de uma só família, o andar térreo
medianas e pobres da sociedade. Ali residiam viúvas
se apresentava com uma porta e várias janelas, pois
que viviam de seus bens, abrigando diversos filhos,
constituía o pavimento de maior uso diário, inclusive
parentes e escravos. Os grandes sobrados, construídos
contendo nele as dependências de escravos.
para acolher famílias numerosas, se subdividiam em
Confirmam esses dados os indícios arqueológicos e as fogos por andares, transformando-se em lares com
modificações ocorridas ao longo do tempo na arquitetura famílias de mediana e inferior segmentação social, em
dos imóveis estudados na pesquisa para o Projeto de que seus chefes, filhos e mesmo agregados eram na
Pesquisa Arqueológica da 7ª Etapa de Recuperação do maioria funcionários públicos (Nascimento, 1986). Ali
Centro Histórico de Salvador (Monumenta/Iphan) ou também viviam portugueses recém-chegados, que se
Projeto Pelourinho de Arqueologia. É possível perceber estabeleciam nas lojas e casas de comércio, atividade
ainda hoje que houve um reordenamento do espaço que até esse momento era exclusiva da freguesia da
a partir do século XIX, quando grandes lotes foram Conceição da Praia.
secionados e sobrados subdivididos, visando abrigar
Na rua das Verônicas, próximo à ladeira da Praça e
uma população pobre e numerosa que desejava viver
Câmara Municipal, aglomeravam-se pretos e pardos,
no centro da cidade.
livres e libertos, e alguns escravos com ocupações
primárias de prestação de serviços autônomos, como
“vende água”, “vende lenha”, “vende mingau”, “tem venda
na porta”, “carrega cadeira”, “de ganho”, “rema saveiro”.
Era o caso de Joaquim de Matos e Inácio da Limeira,
ambos carregadores de cadeira, moradores na rua das
Verônicas, 5, acusados de participação na Revolta dos
Malês em 1835. Nessa casa foram encontrados dois
Negros e brancos
pobres, dividindo o sacos com dinheiro de cobre, 11 bainhas de espada
espaço central da “parnahibas”, umas “roupetas enfeitadas com cascavéis” e
cidade com a elite
oitocentista (Sampaio, uma “boceta com bichinhos de madeira que se moviam”,
2005, p. 179). o que foi suficiente para indiciar os dois carregadores. A
presença dos cantos de trabalhadores na freguesia da
64 Sé também demonstra a vivacidade do trabalho braçal
nessa freguesia essencialmente administrativa.
ArqueologiA no Pelourinho