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UMA VISÃO HISTÓRICA DA ÁREA DO PROJETO
inúmeras posturas de proibição prevendo elevadas deletérios”, que resulta da decomposição de matérias
multas e prisão para quem descumprisse a lei. orgânicas –, causadores de diversas doenças, inclusive
do cólera, quando o indivíduo, infectado pelo
A maioria da população pobre que residia na freguesia
contacto com os gases pútridos, era acometido por
da Sé habitava os porões, fundo de lojas úmidas e sem
“envenenamento miasmático” (David, 1996, p. 55).
ventilação, onde em geral se dormia no chão ou sob
esteiras de palha, o que propiciava o agravamento de Segundo consta no relatório da Comissão de Higiene
doenças, como a tuberculose. Entre 1850 e 1920, no Pública de 1856, o presidente da província da Bahia foi
Rio de Janeiro, a tuberculose matou mais que qualquer avisado de uma epidemia de cólera no Pará e tomou
outra doença epidêmica. Mas foi a febre amarela a mais medidas para impedir que esta chegasse à Bahia. Entre as
combatida pelo poder público, talvez por ter vitimado medidas, foi imposta uma quarentena a todos os navios
principalmente estrangeiros europeus . procedentes de áreas afetadas e a neutralização de focos
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insalubres de Salvador. Para isso, estabeleceram-se três
Segundo médicos e engenheiros, os grandes focos de
frentes: a comissão de higiene se responsabilizaria por
contaminação eram os esterquilínios. Esses depósitos
acabar com o lixo das praias e praças; a municipalidade
de toda a diversidade de lixo, em geral situados no
faria a limpeza das ruas e demais lugares públicos; a
fundo de ruas e becos, contendo inclusive animais em
polícia agiria nas casas e quintais particulares. O fato é
decomposição, eram bastante atacados no discurso
que essas medidas não surtiram efeito e a doença se
higienista baiano. Também se apontava a insalubridade
espalhou com grande rapidez, como salientou David
dos charcos, que recebiam as águas de serviços
(1996, p. 45).
domésticos – lançadas diretamente nas ruas ou dos
canos, no caso dos imóveis cuja instalação já fora feita,
em obediência às posturas municipais. era como se o século XIX, na Bahia, houvesse
se dividido ao meio: antes e depois do chólera
A freguesia da Sé, uma das mais importantes da cidade, morbus, que nela se desencadeou em 1855. as
possuía um precário serviço de esgoto, formado por lembranças daquele ano são marcadas pelo medo
galerias isoladas que desembocavam no rio das Tripas e horror diante da peste epidêmica, o que se deveu
e no mar. Essas galerias, insuficientes e malconservadas, principalmente ao grande número de mortos.
estavam constantemente obstruídas. As valas que
deveriam receber somente as águas das chuvas também
A Bahia já havia passado por outros surtos, como o
recebiam as águas podres e matérias orgânicas.
de febre amarela, febre tifóide e varíola, sem falar das
Na época, acreditava-se que nesse tipo de ambiente constantes febres intermitentes, da tísica e do sarampo.
surgiam os miasmas – alteração do ar por “princípios Mas o cólera foi sem dúvida a epidemia mais dramática
de todas. Em julho de 1855, a moléstia já fazia vítimas
13 Sobre epidemias na Bahia, ver principalmente DAVID,
68 Onildo Reis. O inimigo invisível. A epidemia na Bahia no em várias freguesias da capital. Na freguesia da Sé, entre
século XIX. Salvador: Edufba, 1996. a população livre, o cólera foi responsável por 83,8%
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