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abrem, o hálito que deles se exala, trai para logo a capoeiras, feiticeiros, “vagabundos” e toda a gente pobre
corrupção que a todos envenena. Por esse motivo, e rebelde que as autoridades consideravam perigosas.
a população pobre da cidade, definha, enfraquece, Eram como quilombos urbanos, na feliz expressão de
sem a tonificação do trabalho moralizado e regular João José Reis (2006, p. 241).
que lhe garanta a subsistência, sem o auxílio da
Pessoas como essas impediam que as autoridades
instrução que lhe faça compreender a vida dentro
higienistas invadissem suas propriedades, seja para
dos limites da higiene sem a qual ela não pode ter a
fiscalizar o estado dos canos de esgotos ou para vacinar –
resistência precisa para a luta bendita do trabalho
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eram o principal empecilho para os projetos higienistas.
(grifo nosso).
Teodoro Sampaio via a habitação como o alvo principal
Além da falta de asseio e compostura dessa população do projeto de limpeza; segundo suas palavras:
pobre, o texto de Sampaio atenta para outro fator de UMA VISÃO HISTÓRICA DA ÁREA DO PROJETO
degradação: a vadiagem. Aos olhos dos “modernos”, o saneamento de uma cidade deve começar pela
a falta de um trabalho moralizado e regular faz com unidade urbana, a habitação. não há saneamento
que a população definhe e enfraqueça, uma queixa possível quando os costumes domésticos e as
recorrente durante o período pós-abolição, quando habitações do povo não obedecem a condições
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a recusa dos libertos em ocupar-se segundo a lógica sanitárias e não se modificam ao seu influxo .
do trabalho assalariado e dependente era confundida A habitação, especialmente a coletiva, abrigava hábitos
com vadiagem e indolência. Os libertos não pretendiam populares inaceitáveis ao pensamento modernizante.
continuar dependentes e preferiam tentar a vida de Acabar com ela era reformar os costumes, e só por
forma autônoma, mesmo que de modo irregular e meio da reforma dos costumes podia-se encontrar a
“imoral”. Trabalho imoral poderia ser o da prostituta, ou civilização. Sampaio continua:
o do feiticeiro, principal concorrente dos médicos em
épocas de epidemias. na Bahia, a reforma da habitação, isto é, o
melhoramento das condições sanitárias das casas,
Como “grei numerosa que o parentesco ajuntou e a fiscalização exercida assiduamente sobre elas,
a miséria reuniu”, leia-se pretos pobres reunidos em no que diz respeito à limpeza e suprimento de ar
habitações coletivas. Esses espaços não foram demolidos puro, a vigilância quanto aos costumes das classes
apenas por serem focos de doenças contagiosas, mas pobres, visando melhorá-los por meio de regras
certamente por abrigar em pleno centro da cidade e conselhos prescritos à população, são medidas
escravos, libertos, africanos livres, estrangeiros pobres, primordiais, urgentes, ao tratar-se do saneamento
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da cidade (grifo nosso).
17 APMS, fundo intendência, processos, seção de
água e esgoto do município, 1893-1922. Relatórios
dos esgotos projetados para o 2º distrito da cidade da
Bahia, apresentado à intendência municipal pela firma 18 Idem, ibidem. 71
contratante Teodoro Sampaio & Paes Leme, 1906. 19 Idem, ibidem.
Programa monumenta – IPhan