Page 20 - O Que Faz o Brasil Brasil
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corrente, mesmo no nosso Brasil urbano e moderno, da proteção das
fronteiras da casa, seja de suas soleiras materiais (quem não está
preocupado com o fechamento de suas portas e janelas todas as
noites?), seja — principalmente — de suas entradas e saídas morais. Por
tudo isso, o grupo que ocupa uma casa tem alto sentido de defesa
de seus bens móveis e imóveis, e, junto com isso, da proteção de
seus membros mais frágeis, como as crianças, as mulheres e seus
servidores. Pois, diferentemente de outros países modernos, aqui no
Brasil as casas possuem serviçais que, em certo sentido, lhes
pertencem. E cuida-se de seu bem-estar porque a idéia de residência
é um fato social totalizante, conforme diria Márcel Mauss. Ou seja:
quando falamos da “casa”, não estamos nos referindo simplesmente
a um local onde dormimos, comemos ou que usamos para estar
abrigados do vento, do frio ou da chuva. Mas — isto sim — estamos nos
referindo a um espaço profundamente totalizado numa forte moral.
Uma dimensão da vida social permeada de valores e de realidades
múltiplas. Coisas que vêm do passado e objetos que estão no presente,
pessoas que estão saindo deste mundo e pessoas que a ele estão
chegando, gente que está relacionada ao lar desde muito tempo e
gente que se conhece de agora. Não se trata de um lugar físico, mas
de um lugar moral: esfera onde nos realizamos basicamente como
seres humanos que têm um corpo físico, e também uma dimensão
moral e social. Assim, na casa, somos únicos e insubstituíveis. Temos
um lugar singular numa teia de relações marcadas por muitas
dimensões sociais importantes, como a divisão de sexo e de idade.
Mas se em casa somos classificados pela idade e pelo sexo
como, respectivamente, mais velhos ou mais moços e como homens
e mulheres — e aqui temos dimensões sociais que são
provavelmente as primeiras que aprendemos na sociedade brasileira
—, nela somos também determinados por tudo o que a “honra”, a
“vergonha” e o “respeito”, esses valores grupais, acabam
determinando. Quero referir-me ao amor filial e familial que se deve